Francisco Góes e Fernando Torres | Valor Econômico – Os bloqueios dos recursos da Vale feitos pela Justiça de Minas Gerais, de R$ 11 bilhões até ontem, representam quase metade do caixa da mineradora no fim de setembro, último dado disponível. A Vale tinha R$ 24,4 bilhões no caixa, segundo informações do balanço do terceiro trimestre. Além disso, havia aproximadamente R$ 20 bilhões em linhas de crédito rotativo, uma espécie de cheque especial disponível para empresas de primeira linha.
A Justiça mineira bloqueou ontem R$ 5 bilhões da Vale, para garantir a reparação dos danos às pessoas atingidas pelo rompimento de uma barragem na Mina do Feijão, em Brumadinho. A decisão liminar foi proferida em ação cautelar proposta pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).
No sábado, o MPMG já tinha conseguido bloquear R$ 5 bilhões para reparação de danos ambientais. No mesmo dia, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais tinha ordenado o bloqueio de R$ 1 bilhão. Além disso, o Ibama já multou a Vale em R$ 250 milhões.
O bloqueio aumenta significativamente o passivo da Vale, que no fim de setembro incluía cerca de R$ 5,5 bilhões a pagar entre principal e juros de empréstimos até setembro de 2019, além de um programa de recompra de ações de até US$ 1 bilhão, anunciado no segundo trimestre de 2018.
Com base no resultado do segundo semestre de 2018, a Vale avaliava deliberar, em 2019, sobre uma nova recompra de ações. Até 20 de setembro de 2018, a empresa havia recomprado o equivalente a US$ 489 milhões, ou 48,9% do total. A recompra era tida, por Fabio Schvartsman, presidente da companhia, como o melhor investimento que a empresa poderia fazer com o caixa.
Uma nova operação de recompra de ações dependeria da geração de caixa livre, que em setembro foi de US$ 3,1 bilhões, e do potencial de retorno do investimento em termos de valorizações de suas ações.
O desastre de Mariana também tem que ser considerado. Foram provisionados até setembro um total de R$ 5,2 bilhões para pagar em 12 anos: R$ 3,7 bilhões reservados em 2016, mais R$ 1,5 bilhões extras em 2018. Desse valor, R$ 1 bilhão já foi pago e R$ 4,2 bilhões venceriam em setembro.
E há os dividendos. Os que foram declarados em julho já haviam sido pagos antes do fim de setembro. O que os investidores devem estar se perguntando agora é como fica a política de remuneração daqui para frente.
Em outubro, na divulgação dos resultados do terceiro trimestre, a Vale previa ser a empresa de mineração que continuaria a criar mais valor para os acionistas. O feito seria assegurado por forte desempenho operacional e por uma política de remuneração “agressiva”.
O resultado do terceiro trimestre garantiu o pagamento mínimo de US$ 1,142 bilhão aos acionistas na forma de dividendos, para pagamento em março deste ano. A ideia, na ocasião, era de que caso o desempenho operacional se repetisse, no quarto trimestre, a empresa poderia pagar, no mínimo, US$ 2,3 bilhões.
A política de dividendos definida pela mineradora em 2018 prevê que a companhia remunere os seus acionistas com o equivalente a 30% do lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda), menos o investimento corrente.
O pagamento é feito sempre em duas parcelas: uma em setembro, relativa ao primeiro semestre, e outra em março, relacionada ao segundo semestre de cada ano.
Em nota, a Vale afirmou ontem que está focada no atendimento aos atingidos de Brumadinho e não deliberou sobre a questão dos dividendos. “Tal decisão deve levar em conta a expectativa futura de geração de caixa e vai ser tomada no seu devido tempo.”
Em comentário aos clientes divulgado ontem à noite, o BTG Pactual diz que investidores procuraram o banco, preocupados com dividendos após acidente.
“Defendíamos um retorno com dividendos de 10% em dólares para 2019 (incluindo dividendos extraordinários). A esta altura, há risco de redução no pagamento, mas ainda acreditamos que os dividendo mínimos (retorno de 6% a 7%) continuam relativamente ‘protegidos'”, diz o comentário do banco.