Helton Simões Gomes/Do UOL, em São Paulo – Em meio a uma disputa internacional entre o governo dos Estados Unidos e a empresa chinesa Huawei, que possui como pano de fundo a corrida mundial pela dominação do 5G, o deputado estadual Marcius Machado (PL) elaborou projeto de lei para vetar a instalação ou mesmo os testes da quinta geração da tecnologia de internet móvel em Santa Catarina.
A motivação dele não era, porém, afastar os catarinenses dos respingos de uma guerra comercial em curso e, sim, poupá-los dos “riscos” à saúde supostamente causados pelo 5G. A preocupação do parlamentar, no entanto, é baseada em uma notícia falsa, comenta em entrevista ao UOL Tecnologia o presidente da Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel), Leonardo Euler de Morais.
“Eu acho que qualquer receio social em relação à radiação ionizante é legítimo, mas as pessoas têm que se preocupar também com as fake news, que são um grande problema. Essas fake news têm incentivado ideias e projetos”, diz Morais.
A notícia falsa em questão ganhou ares de teoria da conspiração assim que um vídeo começou a circular em YouTube e Facebook no fim do ano passado. Segundo ele, testes de 5G teriam causado a morte de centenas de pássaros na Holanda. Desde então, a internet passou abrigar verdadeiros ativistas anti-5G. Para eles, a tecnologia é responsável por câncer, infertilidade, autismo e Alzheimer. Não há, porém, nenhuma comprovação científica disso.
O 5G é, sim, apontado como um marco das telecomunicações, devido a sua alta capacidade de transferência de dados (as velocidades podem chegar a 1 Gigabit por segundo), a baixíssima latência (o tempo de resposta entre aparelho e servidor) e a capacidade de conectar diversos aparelhos, o que pode fomentar a chamada Internet das Coisas.
A despeito disso, o deputado Marcius Machado embarcou na onda da teoria da conspiração. “Esta casa [Assembleia Legislativa de Santa Catarina] não pode aceitar que a saúde das pessoas seja prejudicada, bem com a morte de inúmeros animais”, escreveu na justificativa do projeto de lei 0241/2019. Para enriquecer sua proposta, ele ainda incluiu uma frase falsamente atribuída a Albert Einstein: “Se as abelhas desaparecessem da face da terra, a humanidade teria apenas quatro anos de existência”.
No Brasil, a prerrogativa de legislar sobre o uso do solo é de municípios. Como cada prefeitura cria sua própria legislação sobre a instalação de antenas, empresas de telecomunicação lidam com as mais variadas restrições. Para destravar a situação, a Lei das Antenas entrou em vigor em 2014. Ainda assim, as liberações se arrastam em algumas cidades.
Para convencer representantes municipais da importância da instalação de antenas, o presidente da Anatel tem visitado algumas cidades desde o fim do ano passado.
“Essas visitas começaram quando eu identifiquei que um grande problema para a qualidade do celular são legislações municipais restritivas em relação à instalação de antenas. Depois disso, vieram essas polêmicas baseada em fake news sobre o 5G, e a gente tem aproveitado essas oportunidades para fazer outros esclarecimentos”.
Ele afirma que, na bagagem, leva armas secretas para demover quem acredita que há relação entre radiofrequência e o surgimento de câncer. “Cabe à Anatel ir ao encontro de prefeitos e presidentes de câmaras de vereadores para sensibilizá-los e esclarecer sobre questões afeitas à saúde. Vou junto com técnicos e mostro, por exemplo, fotos do hospital do câncer em Londres, com muitas antenas na frente, do prédio da Organização Mundial da Saúde (OMS), que também tem muitos sites na frente”.
Ou seja, nem profissionais que trabalham para manter as pessoas saudáveis acreditam que a presença de antenas coloca seus pacientes em risco. Além disso, Morais afirma que tenta mostrar a prefeitos e vereadores que impedir a implantação de antenas não faz apenas o sinal de celular piorar. “Quando se deixa de autorizar a instalação de uma antena, você não só perde em termos de cobertura e qualidade, o próprio município perde investimentos que poderiam ser realizados ali”, afirma.
Goiânia e São Paulo já foram visitadas. Agora, ele está alinhando uma ida a Belo Horizonte. “Santa Catarina não estava no nosso radar, mas uma visita vai ser muito oportuna, caso sejamos convidados. Mas, se não formos, buscaremos esclarecer isso para evitar qualquer tipo de constrangimento ao desenvolvimento das telecomunicações”, diz.
A Anatel pretende fazer a licitação das faixas de frequência para o 5G ainda no primeiro trimestre de 2020. “No ambiente do 5G, o adensamento das antenas vai ser muito maior”, afirma Morais. Isso quer dizer que, para funcionar, a tecnologia precisará de mais antenas do que é necessário hoje para 4G ou 3G funcionarem.
Isso ocorrerá, porque as faixas escolhidas, de 2,3 Ghz e 3,5 Ghz, são mais altas no espectro de radiofrequência. Isso faz com que tenham menor alcance. Para contornar essa limitação, é necessária a instalação de mais antenas.