Matheus Leitão/G1 – No pedido de explicações a ser protocolado na Justiça nesta quarta-feira (31), o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, apontará, em tese, que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) cometeu calúnia contra a memória do seu pai, Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, um dos desaparecidos políticos da ditadura militar (1964-1985).
De acordo com trechos da interpelação obtidos pelo blog, Fernando Santa Cruz, por meio de seu advogado, Cezar Britto, pede “indispensáveis explicações” do presidente.
O advogado cita o artigo 144 do código penal, segundo o qual quem se julga ofendido, em calúnia, difamação ou injúria, pode pedir explicações perante a Justiça e aquele que se recusa a dá-las ou, não as dá de forma satisfatória, a critério do juiz, responde pela ofensa.
Nesta semana, Bolsonaro afirmou que sabia como o pai do presidente da OAB havia morrido. No mesmo dia, mais tarde, completou dizendo que ele foi morto pelo grupo de esquerda Ação Popular.
Documentações do período, contudo, apontam que o militante foi assassinado pelo aparato repressivo da ditadura, que perseguiu, torturou e matou opositores no Brasil.
A ação, o advogado cita, ainda, o artigo 138 do código penal, que prevê punição a calúnia contra mortos, exigindo que Bolsonaro comprove o que disse, revelando o que sabe sobre o caso. O documento diz ser “inaceitável” que o ocupante do mais alto cargo da República não explique a razão da sua própria omissão quanto ao dever de tornar pública a autoria e as circunstâncias da prática de atos criminosos e atentatórios aos mais elementares direitos humanos.
No pedido de explicações a ser protocolada na Justiça, os advogados de Santa Cruz lembram que as declarações de Bolsonaro não estão “lastreadas” em documentos oficiais, “contrariando a posição oficial e expressa do Estado brasileiro, que reconhece o desaparecimento forçado de Santa Cruz”.
Conforme informou o blog, o pai do presidente da OAB militou no movimento estudantil e participou da Juventude Universitária Católica (JUC), movimento da Igreja reconhecido pela hierarquia eclesiástica, e depois integrou a Ação Popular (AP), organização de esquerda contrária ao regime militar.
Segundo o livro “Direito à memória e à verdade”, produzido pelo governo federal, Fernando e um colega foram presos juntos em Copacabana por agentes do DOI-CODI-RJ em 23 de fevereiro daquele ano. A Comissão da Verdade, que funcionou entre 2012 e 2014, diz que ele foi morto pela ditadura.
O atestado de óbito de Fernando Santa Cruz reforça a informação, apontando que ele “faleceu provavelmente no dia 23 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro/RJ, em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”.
Na interpelação, os advogados lembram que não é a primeira vez que Bolsonaro “investe” contra a presidente da OAB e a memória de seu pai, mas agora fez na condição e no exercício da função de Presidente da República, o que na opinião deles, aumenta a “gravidade das aleivosias”.
O documento também aponta que Bolsonaro sugeriu que Fernando Santa Cruz pode ter cometido traição, deslealdade ou mesmo práticas delituosas, reforçando a calúnia contra o pai do presidente da OAB.
Em outro trecho, o pedido de explicações aponta que Bolsonaro apurou concretamente a materialidade dos fatos cometidos contra Fernando Santa Cruz, “com a coleta dos nomes de quem cometera o citado crime contra o genitor do requerente”, e, nesse caso, tem o dever legal e básico de revelá-los, ou pratica “manobra diversionista” para supostamente ocultar a verdadeira autoria de criminosos que atuaram nos porões da ditadura.
“Como quer que seja, tem de explicar os fatos e as ofensas oblíquas à memória de um brasileiro que pereceu por causa de sua opinião e pela causa da liberdade”, defende a interpelação.