O Pleno do Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC) considerou irregulares a aceitação, a manutenção e a aquisição de cotas de fundos de investimentos, no período de 2013 a 2020, pela Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan), em decorrência de acordo extrajudicial realizado com a Fundação Casan (Fucas) para quitação de dívida — dação em pagamento. Diante disso, decisão, aprovada na sessão plenária virtual encerrada no dia 25 de julho, condenou os responsáveis à época à devolução de R$ 14.186.976,90 — atualizado, o valor ultrapassa os R$ 20 milhões — aos cofres da estatal.
O valor é referente ao dano causado ao erário com o acordo celebrado entre a Casan e a Fucas, em 2013, para transferência de valores da contribuição patronal de Plano de Demissão Incentivada (PAD), mediante cessão de cotas de investimentos e transações junto aos fundos Florença e Fromage FIP – SM4 Indústria e Comércio de Laticínios S.A. Tais constatações estão no processo @TCE 22/00496456, que trata da Tomada de Contas Especial instaurada pela própria Casan, a partir de apontamentos da Diretoria de Empresas e Entidades Congêneres (DEC), do Ministério Público junto ao Tribunal, e do relator, conselheiro Aderson Flores.
Na decisão, o TCE/SC ressaltou que o investimento da Fucas nos dois fundos não contemplou prévia análise técnica de viabilidade econômica, de rentabilidade e de grau de risco, e apontou que a providência não condiz com as práticas de investimentos da Companhia e de suas atividades finalísticas. Para encerramento do litígio, foram aceitas, em dezembro de 2014, cotas no Fundo Florença — no valor de R$ 6.059.253,29 — e no Fundo Fromage FIP — de R$ 5.730.443,20.
Outro problema constatado pela DEC está relacionado à manutenção de investimentos no Fundo Florença mesmo depois do prazo inicial de resgate — portanto, sem que os valores ingressassem no caixa da Casan —, com posterior transferência das cotas para o Fundo Fromage e para aplicações em Carta de Crédito Imobiliário (CCI), em dezembro de 2018. A diretoria verificou, ainda, irregularidade na aceitação passiva da liquidação do Fundo Florença, com o resgate integral dos valores do Fundo e a aplicação de R$ 1.193.219,38 em Carta de Crédito Imobiliário e de R$ 7.677.061,67 em cotas do Fundo Fromage, não resgatável. Ambas as aplicações registravam valor zero em junho de 2019.
Para o relator do processo, conselheiro Aderson Flores, a ausência de prévia análise quanto às condições de segurança, à rentabilidade, à solvência e à liquidez, bem como sem efetivo acompanhamento da evolução dos valores aplicados, levaram à perda total do investimento, em prejuízo ao patrimônio da Companhia. “Tais situações demonstram a completa falta de zelo e diligência por parte dos gestores, bem como o desrespeito ao princípio constitucional da eficiência, que culminaram em danos aos cofres da Casan”, realçou.
Em seu voto, o conselheiro Aderson mencionou que os gestores, ao aceitarem, como quitação de dívida, investimentos substanciais sem qualquer análise crítica, agiram de modo a fragilizar dispositivos da Lei 6.404/76, especialmente os arts. 153 a 155. “A perda total dos investimentos realizados pela Casan não pode ser tratada como mero risco de mercado, sobretudo porque ressai dos autos que tal resultado decorreu de condutas temerárias por parte dos agentes envolvidos”, afirmou, ao salientar que “a ausência de norma interna não afasta o dever de o administrador da Companhia empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem probo costuma empregar na administração dos bens que lhe são confiados”.
Débito e multas
A partir da publicação da decisão no Diário Oficial Eletrônico do TCE/SC — ocorrida nesta quarta-feira (31/7), nas páginas 5 e 6 —, o ex-diretor financeiro e de relações com investidores da Casan Laudelino de Bastos e Silva, o ex-diretor-presidente da Companhia Valter José Gallina e o sócio e diretor da SM4 Indústria e Comércio de Laticínios e sócio do Fundo Fromage, Marco Aurelio Grillo, terão o prazo de 30 dias para comprovar o recolhimento, solidário, do débito de mais de R$ 14 milhões — atualizado e corrigido — aos cofres da estatal ou para interpor recurso.
Além da devolução dos recursos, os ex-gestores da Casan — Laudelino e Valter — deverão, cada um, recolher multa, no valor de 7,5 mil, por terem ordenado investimentos adicionais pela estatal, em fevereiro de 2016 — de R$ 1.001.515,44 — e em fevereiro de 2017 — de R$ 1.004.836,76 —, na empresa SM4 Indústria e Comercio de Laticínios S.A. Realizadas sem justificativas plausíveis, tais operações foram consideradas estranhas às finalidades da Companhia, e, conforme registrado na decisão, os recursos poderiam ter sido utilizados para suprir as necessidades da estatal.
De acordo com o relator, a natureza e a gravidade da infração, que envolve o uso indevido de recursos que deveriam ser aplicados na área de saneamento básico, campo de atuação estatal relacionado a direitos fundamentais, justificam o aumento da pena. “A prática do ato danoso fez com que os recursos que deveriam atender à missão institucional da Casan fossem desvirtuados para atender a fluxo de caixa de empresa [SM4]”, comentou.
De acordo com a decisão aprovada, os fatos apurados serão comunicados ao Ministério Público de Santa Catarina, para ciência e como forma de subsidiar a adoção de providências.