Infomoney – O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (7), o regime de urgência para o projeto de lei que trata dos chamados “supersalários” no serviço público. A votação do mérito do texto, sob a relatoria do deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR), ficou para a próxima semana.
O PL 6.726/2016 regulamenta os tipos de pagamentos que podem ficar de fora do teto do funcionalismo público, aplicado a servidores civis e militares, magistrados e detentores de mandato. Desta forma, as parcelas recebidas fora deste rol, somadas, não poderão ultrapassar o limite estabelecido pela Constituição Federal, de R$ 39,2 mil mensais.
Ao todo, 31 tipos de pagamentos constam da lista de exceções exposta em versão do relatório que circula entre os parlamentares ‒ entre eles, auxílio-alimentação, limitado a 3% do limite remuneratório aplicável à retribuição do agente; despesas médicas e odontológicas; e o polêmico auxílio-moradia.
O projeto está parado na Câmara dos Deputados há cerca de quatro anos e foi retomado a pedido de líderes partidários, que querem que ele seja votado antes da proposta de reforma administrativa apresentada pelo governo federal em 2020.
A ideia é reforçar o discurso de combate a privilégios antes de discutir mudanças mais profundas na estrutura do funcionalismo público. A urgência do PL foi aprovada em votação simbólica, com orientação favorável de todas as lideranças partidárias.
Relator da matéria desde que ela chegou à Câmara, em 2016, o deputado Rubens Bueno argumenta que as mudanças propostas ajudam o país a tirar a “mancha de uma casta de privilegiados do serviço público brasileiro”.
“Ninguém, no serviço público, pode ganhar mais do que esse teto. No entanto, nós temos milhares e milhares ganhando muito mais, longe daqueles que, no serviço público brasileiro, ganham muito pouco. Com relação àqueles que fazem parte desta casta de privilegiados, que abusam da lei criando penduricalhos, vamos também assumir a nossa responsabilidade”, afirmou durante a sessão.
Impacto da medida
A Constituição Federal determina que o teto remuneratório na administração pública é o subsídio mensal dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), hoje em R$ 39.293. Mas alguns rendimentos estão fora da regra, e, na prática, são usados como um escape para que sejam possíveis remunerações acima do limite previsto. Com a regulamentação, a ideia é estreitar o espaço para manobras.
Estudo realizado pelo Centro de Liderança Pública (CLP), baseado em dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) de 2019, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estimou que cerca de 25 mil servidores públicos têm vencimentos superiores ao teto constitucional. O número representa apenas 0,23% do corpo do funcionalismo.
Grande parte da remuneração superior ao teto ocorre em razão da utilização de rubricas de natureza indenizatória, que não estão sujeitas às restrições impostas pela norma constitucional. É o caso de pagamentos retroativos, venda de férias, gratificações e diversas formas de auxílio ‒ itens chamados de “penduricalhos”.
O projeto de lei, já aprovado pelo Senado Federal, identifica agentes públicos sujeitos às restrições, determina os limites remuneratórios a serem obedecidos nos níveis federal, estadual, distrital e municipal e apresenta um rol de verbas de caráter indenizatório.
As parcelas remuneratórias não contempladas nesta relação de exceções estariam automaticamente submetidas ao limite constitucional, reduzindo, assim, o espaço de medidas criativas para inflarem salários.
Além do efeito pedagógico, o relator Rubens Bueno estima que a medida gere uma economia de mais de R$ 3 bilhões ao ano e ajude a promover uma melhor alocação dos recursos orçamentários em tempos de austeridade.
Mudanças
O relatório final ainda não foi apresentado formalmente, mas uma versão atualizada já circula entre os parlamentares e é tratada como o texto que provavelmente irá a votação na próxima terça-feira (13), com possibilidade de ajustes pontuais pelo relator.
O substitutivo, ao qual o InfoMoney teve acesso, traz modificações em relação à versão aprovada pelo Senado Federal. Na avaliação de parlamentares fiscalistas, ainda haveria brechas em verbas classificadas como indenizatórias ‒ algumas por eles consideradas controversas.
Os espaços encontram-se sobretudo em exceções como a indenização de férias não gozadas, a gratificação de magistrado e de membro do Ministério Público pelo exercício de função eleitoral e o auxílio-fardamento pago a militares.
Outros parlamentares, contudo, argumentam que ajustes no texto visam evitar judicialização, tendo em vista a forte pressão contrária de juízes e procuradores. Há um receio de congressistas de que o texto possa ser levado ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Pela versão aprovada pelos senadores, a indenização de férias estava prevista no teto, exceto em casos de passagem para a inatividade, limitada a dois períodos adquiridos de 30 dias.
Já no texto em análise pelos deputados, está fora do limite o pagamento de férias não usufruídas, referentes a até 30 dias, para servidores em atividade. Na última versão, foi incluída “trava” que condiciona o pagamento à “impossibilidade de gozo tempestivo por necessidade do serviço, comprovada em processo administrativo eletrônico específico”. O mecanismo reduz o espaço para “furo” do teto.
Após a demissão, exoneração, passagem para a inatividade ou o falecimento, o texto não estabelece limite de período adquirido.
A venda de férias é hoje expediente usado para viabilizar remunerações acima do teto. Deputados fiscalistas chamam atenção para o fato de ser comum na magistratura a venda de 30 dias de férias e o usufruto de outros 30 dias de recesso a cada ano. O direito a recesso superior a 30 dias por ano está sendo tratado na proposta de reforma administrativa (PEC 32/2020) e ficou de fora na discussão deste projeto de lei.
A versão do Senado Federal também limita ao teto remuneratório a conversão de licença-prêmio em pecúnia. Já o substitutivo em discussão na Câmara dos Deputados deixa o benefício fora do teto, limitado a seis meses, após a demissão, a exoneração ou a passagem para a inatividade.
A licença-prêmio é o direito que o servidor tem, a cada cinco anos, de gozar de três meses de licença para tratar de assuntos de interesse pessoal. O benefício foi extinto no governo federal em 1999, mas ainda existe em 20 dos 27 estados brasileiros.
Também há mudanças em relação ao auxílio-moradia. Pela proposta aprovada pelos senadores, o benefício possui caráter indenizatório quando concedido na forma de ressarcimento por despesa comprovada decorrente de mudança de ofício do local de residência. O caso do auxílio-moradia concedido sem necessidade de comprovação de despesa entraria no teto.
A versão discutida pelos deputados inclui como despesa indenizatória o auxílio-moradia para custeio de residência em localidade distinta do domicílio eleitoral, em virtude do exercício de mandato eletivo ‒ o que contempla deputados e senadores.