O fundador e coordenador do movimento Escola sem Partido, o procurador de Justiça de São Paulo Miguel Nagib, disse que o projeto de lei sobre o tema que tramita na Câmara dos Deputados tem um trecho inconstitucional e precisa ser modificado.
O trecho a que se refere Nagib é o Artigo 3º do Projeto de Lei (PL) 867/2015, segundo o qual “são vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes”.
“Da maneira como está redigido o artigo, qualquer conteúdo que pudesse estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais seria proibido, inclusive conteúdos científicos, o que é inaceitável”, disse o procurador. Se o texto for aprovado com essa redação, segundo Nagib, um professor não poderia ensinar, por exemplo, a Teoria da Evolução, que contraria o Criacionismo, defendido por algumas religiões. “A escola não pode cercear a liberdade de aprender do estudante, de conhecer os conteúdos científicos em razão das convicções religiosas que existem na sociedade. O Estado laico tem a obrigação de ensinar ciência.”
O relator do projeto na comissão especial, deputado Flávio Augusto da Silva (PSB/SP) disse que ainda não se decidiu sobre a retirada do artigo questionado por Nagib. “Estou ouvindo todas as audiências públicas, não tenho nenhum posicionamento firmado em relação a isso”.
O PL 867/2015, apensado ao PL 7180/14, foi debatido na última terça-feira (28) em comissão especial na Câmara dos Deputados. O texto estabelece, entre outras questões, que seja afixado na parede das salas de aula de todas as escolas do país um cartaz com os deveres do professor, entre eles o de não se aproveitar da audiência cativa dos alunos para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias.
Polêmicas
O projeto de lei que cria o Escola sem Partido é polêmico e os debates na Câmara têm sido acalorados. Na audiência desta terça, os palestrantes foram interrompidas diversas vezes pelo público. Alguns dos ouvintes faziam transmissões ao vivo e narravam a situação online.
Contrária à proposta, a doutora em educação Denise Carreira, coordenadora adjunta da organização não governamental (ONG) Ação Educativa, foi a mais interrompida durante o debate de hoje, diante da plateia de maioria favorável ao projeto.
Os críticos do Escola sem Partido argumentam que o projeto vai criar um cenário de insegurança para os professores, que não teriam claro o que seria doutrinação, ficando sujeitos a perseguições.
Denise pediu que os parlamentarem rejeitem o projeto de lei. Segundo ela, já existem atualmente mecanismos para coibir abusos por parte de professores. A especialista defende que a participação “das famílias e da comunidade seja ampliada e contribua para um projeto transformador da sociedade brasileira”.
Também contrária ao projeto de lei, a pastora Romi Benke, secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, disse que o projeto pode intensificar desigualdades ao não permitir que certos assuntos sejam debatidos em sala de aula. Ela cita como exemplos a concentração agrária e a violência contra a mulher, temas que podem ser entendidos como um posicionamento do docente. “O projeto se apresenta como livre de ideologias, no entanto, está carregado delas. É um projeto que se apresenta como democrático, mas pretende lutar contra a democracia.”
Favorável à medida, o jornalista e escritor Leandro Narloch, mestre em filosofia, disse que há atualmente um “problema altíssimo de doutrinação marxista” nas escolas brasileiras. “Assim como um presidente não pode sair por ai com um broche do seu partido, um professor não pode fazer proselitismo partidário na sala de aula”, defendeu.
O representante da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino, João Luiz Cesarino Rosa, destacou a necessidade de maior participação dos pais na educação dos filhos. “A omissão dos pais traz um sério problema para a escola. Não passar esses valores aos filhos é delegar à escola essa responsabilidade. E não é função da escola.” A confederação, no entanto, é favorável ao projeto por entender que os alunos não podem “sofrer lavagem cerebral”.
Justiça
Na semana passada, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a lei que instituía o programa Escola Livre em Alagoas, iniciativa baseada no Escola sem Partido. A lei estadual proibia professores da rede pública de opinarem sobre diversos temas em sala de aula e determinava que os docentes mantivessem neutralidade política, ideológica e religiosa.
Barroso atendeu a um pedido de liminar (decisão provisória) feito pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino, que entrou no STF com uma ação direta de inconstitucionalidade contra a lei alagoana.
No ano passado, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, já havia emitido parecer pela inconstitucionalidade da mesma lei.
Origens do Escola sem Partido
O movimento Escola sem Partido foi fundado em 2004 por Nagib. Em 2014, ganhou força quando se transformou no Projeto de Lei 2974/2014, apresentado na Assembleia Legislativa Estadual do Rio de Janeiro (Alerj). O movimento disponibilizou, então, dois modelos de projetos de lei, estadual e municipal.
Em âmbito nacional, projetos semelhantes tramitam tanto na Câmara dos Deputados – PL 7180/14, de autoria do deputado Erivelton Santana (PSC-BA) – quanto no Senado, com o Projeto de Lei do Senado (PLS) 193/2016, de autoria do senador Magno Malta (PR-ES).
Em consulta pública aberta no site do Senado Federal, a maioria dos participantes até agora se manifestou contra a proposta, com 203.293 votos (51,66%). Os que defendem o projeto somaram 190.212 votos (48,34%) na enquete até a tarde desta terça-feira.