Rodrigo Dalmonico
A Defensoria Pública da União (DPU) ajuizou ação civil pública na Justiça Federal, nesta quarta-feira (5), para que as famílias de pescadores artesanais da Praia de Baixo ou Bento Francisco, na região do Balneário São Miguel, em Biguaçu, possam permanecer morando e trabalhando no local. A comunidade está às margens da BR-101. A concessionária da rodovia, Autopista Litoral Sul, alega que os imóveis ficam na faixa de domínio da via, onde não são permitidas construções. A empresa ajuizou ações individuais de reintegração de posse contra os moradores, sem qualquer direito a indenização. A DPU pede também à Justiça que essas ações sejam suspensas imediatamente e julgadas improcedentes ao final do trâmite da ação civil pública.
“Hoje a comunidade é composta em grande parte da 2ª ou 3ª gerações de pescadores; o local pode ser considerado de multiplicação da cultura da pesca e subsistência; nesta condição, está protegida por diversos regulamentos internacionais”, argumenta o defensor regional de Direitos Humanos de Santa Catarina, João Panitz, na ação.
O defensor explica que o início da ocupação do local por pescadores artesanais se deu antes mesmo da obra da rodovia em faixa simples, em 1957. Documentos anexados ao processo, como carteiras de pescador e fotos, fundamentam essa afirmação. Durante a duplicação da rodovia, a partir de 1985, também houve grande esforço das famílias para permanecerem na Praia de Baixo, conforme relatos dos moradores. Panitz conclui que não há possibilidade de realocação em área distante da praia, coincidindo com o interesse das famílias. A Câmara de Vereadores de Biguaçu também aprovou e encaminhou à DPU uma moção de apoio à permanência da comunidade.
“O objetivo principal desta ação civil pública é a manutenção da comunidade em seu local, mediante a adoção de providências que permitam a coexistência com o fluxo da rodovia BR-101”, resume Panitz. Entre as medidas sugeridas à Autopista Litoral Sul e à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), rés na ação, estão a redução da velocidade da via naquele trecho, a colocação de placas de sinalização e a correção de declividades.
A fim de confirmar a situação regular das construções na Praia de Baixo, a DPU defende que a área já é dotada de equipamentos públicos, como sistema de iluminação, fornecimento de água e energia elétrica. Vários imóveis estão inscritos na Secretaria do Patrimônio da União, por estarem localizados em terrenos de Marinha, e seus proprietários pagam Taxa de Ocupação – também um argumento para comprovar a consolidação da comunidade.
A DPU requer que a União e a Prefeitura Municipal de Biguaçu se manifestem sobre seu posicionamento em relação à ação civil pública. Inicialmente, foram apontadas pela instituição como rés no processo. Conforme o pedido, a Autopista Litoral Sul deve apresentar a lista completa de ações que ingressou referentes à área – uma relação de 36 processos consta na ação civil pública.
No pedido liminar, a DPU solicita uma audiência de tentativa de conciliação com participação dos moradores da região e que já sejam iniciadas obras para aumento da segurança. Também pede que seja vedado aos réus o ingresso nas áreas sem autorização ou a perturbação da posse das famílias, com o corte do fornecimento de água e energia elétrica, por exemplo.
Estudo antropológico provará consolidação em São Miguel
Proteção
Comunidades tradicionais, como pescadores artesanais, indígenas e quilombolas, são “grupos culturalmente diferenciados” que, entre outras características, “ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”. A definição está no Decreto 6.040/2007, da Presidência da República, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Esses grupos são protegidos por dispositivos legais nacionais e internacionais, a exemplo dos artigos 215 e 216 da Constituição Federal, da Convenção 169 da Organização Mundial do Trabalho e do próprio Decreto 6.040/2007.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5013352-26.2017.4.04.7200