A RFI Brasil ouviu três economistas para entender qual será o impacto da gestão Trump nas relações comerciais e políticas com o Brasil. Uma das conclusões gerais é que a dramática situação econômica do país, que também enfrenta uma grave crise política, dificulta ainda mais um relacionamento que tem tudo para ser turbulento nos próximos quatro anos.
Barreiras protecionistas, restrições à imigração ou ainda preservação de empregos locais. Esses e outros anúncios feitos por Donald Trump durante sua campanha eleitoral são um termômetro dos seus próximos quatro anos de governo, que têm início na próxima semana, depois da festa da posse, nesta sexta-feira (20). Resta saber agora quais de suas promessas serão de fato colocadas em prática.
“É um erro pensar que as declarações de Trump são puro marketing. Encaro ele com seriedade e seus anúncios geram ansiedade. Isso tem um impacto na economia local e global. É um franco-atirador que não responde nem ao seu partido nem à sociedade, de uma estupidez incrível. Não tem noção de legislação, de nada. Diz coisas que ferem a Constituição e que ele não pode fazer. O que é pior: arregimenta todos os malucos desse país”, alerta o economista brasileiro Álvaro Lima, diretor de pesquisas da prefeitura de Boston, há 30 anos radicado no país.
Os Estados Unidos são o segundo parceiro comercial do Brasil. Em 2015, o fluxo de comércio bilateral passou de US$ 50 bilhões, segundo o Itamaraty. De acordo com o Banco Central, os EUA continuam sendo o país com maior volume de investimento externo direto no Brasil. Apesar disso, o país, que com a crise política perdeu muito da influência externa conquistada nos últimos anos, não parece estar entre as prioridades do novo presidente americano. O Brasil não foi citado publicamente nenhuma vez por ele, lembram os especialistas.
Em dezembro, o presidente Michel Temer buscou o primeiro contato e telefonou para Trump para parabenizá-lo pela vitória. Em nota, o Planalto afirmou que ele elogiou as reformas do governo, e que uma agenda conjunta entre os dois países deve ser acertada em fevereiro. Paralelamente, o governo brasileiro chegou a dizer que o fechamento do mercado americano em relação à economia latina, preconizado por Trump, poderia favorecer o papel do Brasil no comércio regional.
Esse efeito colateral positivo e mesmo o interesse de Trump pelo Brasil é visto com ceticismo pelo economista americano Peter Hakim, presidente do Instituto Inter-Americain Dialogue, em Washington. “Qualquer um que pense que a eleição de Trump pode ser benéfica para o Brasil está equivocado, especialmente na área econômica. Trump tem falado muito claramente que é contrário a investimentos em outros países e o estabelecimento de companhias americanas no exterior”, explica. “Ele também está descontente com o fato de que os EUA estejam importando produtos manufaturados que poderiam estar sendo produzidos em casa. O Brasil exporta muitos bens industriais e isso poderia afetar o país. Também não acredito que os EUA estarão muito dispostos a transferir tecnologia americana no novo governo. Sua eleição não é uma boa notícia para o Brasil”, afirma.
A opinião do economista americano é compartilhada por Lima. “A economia americana é muito grande e internacionalizada e qualquer mudança brusca de política afeta qualquer país do mundo, principalmente nações como o Brasil, que já enfrentam uma grave crise econômica”, diz.
O diretor da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, Rubens Cysne, vai além e analisa a situação do ponto de vista ainda mais amplo. Para ele, a visão de mundo de Trump durante seu mandato é que vai definir as consequências na economia mundial e no Brasil. “A preocupação maior dos brasileiros, a médio e longo prazo, é de ordem estratégica. Será que haverá essa preocupação em pensar os EUA como parte de um todo? Acho que é essa a questão, principalmente se houver um segundo mandato. Como os EUA vão enxergar a América? Será aplicado o princípio de unidade ou de competição? Estados Unidos primeiro e o resto do mundo depois?”, questiona Cysne, que considera os indicadores econômicos “importantes, mas secundários”.
Investimentos externos
Na opinião de Hakim, independentemente do governo nos EUA, a economia brasileira de um modo geral não facilita os investimentos externos. A recessão complica ainda mais esse quadro. “A relação com o Brasil é mais dirigida entre as empresas do setor privado, americanas e brasileiras, do que entre governos. Nesse momento, há tentativa de ganhar essa confiança de maneira brutal.
As mensagens que vêm do Brasil, de crise política e corrupção, não criam otimismo ou confiança”, declara Hakim. “Basicamente, o Brasil é uma economia fechada, em termos de facilidade para investir, exportar e estabelecer novas companhias. Há um alto nível de protecionismo, complicações burocráticas e os subsídios brasileiros. Talvez a situação pudesse melhorar no país sem a participação externa. Mas querendo essa participação, deve diminuir as barreiras alfandegárias às importações e investimentos”, resume.
Agricultura
Em relação ao setor agrícola, Hakim acredita que a situação não mudará muito com a eleição de Trump. “A postura protecionista é mútua. Isso é próprio dos Estados Unidos. Os impostos de importação são altos e vários produtos são submetidos a cotas. Para o Brasil, os principais mercados são China e União Europeia”, diz.
Imigração
Outro aspecto que não pode ser desconsiderado, lembram Lima e Cysne, é o impacto da restrição à imigração nas relações bilaterais entre Brasil e Estados Unidos. Se Trump cumprir sua política xenófoba, os governos serão obrigados a tomar atitudes para proteger seus cidadãos. A estimativa é de que haja cerca de 1 milhão de brasileiros nos EUA em situação ilegal. A imigração terá um efeito econômico, diz Lima, porque “os governos serão forçados a tomarem medidas para proteger suas populações”.
Segundo ele, “os imigrantes brasileiros estão muito desorientados e a ansiedade maior é dos clandestinos, principalmente por conta da crise econômica no Brasil”, diz. Cysne também salienta esse ponto. “Medidas duras em relação à imigração certamente podem provocar uma crise nas relações entre os dois países.”
Taíssa Stivanin | RFI