El País
Nas últimas semanas as polícias Federal e Rodoviária Federal deram os primeiros sinais de que a máquina pública está perto de um colapso. A primeira, suspendeu a emissão de passaportes porque disse que não havia mais dinheiro para cobrir os custos. A segunda, paralisou as atividades em algumas de suas bases operacionais alegando inclusive falta de combustível. Nos próximos meses e até o ano que vem, a tendência é que a maioria dos órgãos públicos registre problemas semelhantes.
Com as despesas aumentando e a receita diminuindo (queda de 1,7% neste ano enquanto a economia não reage para deixar a recessão), a expectativa entre analistas é que a gestão Michel Temer (PMDB) passe a lidar com seguidos anúncios de paralisação de serviços. Se fosse um Governo com relativo apoio popular ou político, poderia até sinalizar com reajuste de impostos a curto prazo. Dificilmente o fará, já que corre sério risco de cair por causa da denúncia pelo crime de corrupção que será avaliada na Câmara. As ameaças de debandada do PSDB da base aliada e a alternativa “Rodrigo Maia” como novo presidente-tampão em uma curva ascendente entre políticos e no mercado financeiro mostra que, além de fiscal, a paralisia é também política.
Técnicos do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA), da Fundação Nacional do Índio(FUNAI) e do Ministério da Defesa já avisaram aos seus superiores que as contas não deverão fechar nos próximos meses. Em se confirmando esse cenário, a grosso modo, a fiscalização de áreas desmatadas, o atendimento às comunidades indígenas e os horários de expediente de algumas unidades das Forças Armadas passarão por mudanças. Queixas semelhantes são ouvidas nas áreas de Educação, Cultura e Ciência. Essas duas últimas registraram neste ano seus menores orçamentos nos últimos dez anos.
A reclamação nas pastas é que o corte orçamentário tem sido tão profundo que até serviços de vigilância e de limpeza de prédios públicos estão sob o risco de serem suspensos temporariamente por falta de recursos. Em março, o Governo Temer fez um contingenciamento de 39 bilhões de reais, diante da previsão de queda na receita. “Esse ano está ruim e ano que vem vai piorar”, disse a economista Esther Dweck , ex-secretária do Orçamento Federal na gestão Dilma Rousseff (PT).
E o que nos trouxe até o atual momento? Para o diretor da Consultoria de Orçamento Fiscalização e Financeira da Câmara, Ricardo Alberto Volpe, e para o diretor da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, os aumentos dos gastos com Previdência e pessoal obrigaram o Governo a cortar despesas em outras áreas. No primeiro caso, da Previdência, uma mudança só ocorreria caso fosse aprovada a reforma das aposentadorias, algo que no atual cenário de crise política está bem distante de ocorrer. Já com relação aos gastos com salários de servidores, tanto Volpe quanto Castello Branco acreditam que as concessões ao funcionalismo extrapolaram o limite aceitável.
“Governos fracos tendem adotar medidas para adoçar alguns setores, como o do funcionalismo. Estamos pagando agora a conta da farra de aumentos salariais do ano passado e da morosidade das reformas”, afirmou o diretor da Contas Abertas. Desde que assumiu a presidência, em maio passado, Temer concedeu uma série de reajustes ao funcionalismo público sob a justificativa de que cumpriria acordos feitos por Rousseff, a qual ajudou a derrubar da cadeira presidencial. “Nos piores dos casos os reajustes foram de 5%, com a inflação na casa dos 3,5% todo mundo teve aumento real”, ponderou o diretor da consultoria da Câmara.
Sem impostos
De janeiro a maio deste ano as despesas com pessoal do Governo central subiram 11,8%, em comparação com o mesmo período do ano passado. Os benefícios previdenciários cresceram 7,2%. E na área de assistência social, 10,1%. Tudo acima da inflação. “Muitos órgãos estão com funcionamento no osso. Algumas políticas terão de ser deixadas de lado”, afirmou Volpe.
No próximo dia 22, a Secretaria de Orçamento Federal deverá lançar seu quarto relatório de despesas e receitas do ano. Nele será possível ter um cenário mais claro do tamanho do rombo. Há técnicos que acreditam que o Governo terá de rever o déficit orçamentário anual para 2017, hoje previsto em 139 bilhões de reais. No mês passado, as consultorias de orçamento da Câmara e do Senado elaboraram um documento no qual alertavam que, se a situação não fosse alterada, no fim do ano o Governo Temer não cumpriria sua meta anual. Na ocasião, o mercado já esperava um aumento do déficit para 148 bilhões de reais.
Sem capital político para bancar um aumento de impostos, o Governo deverá contar com receitas extras que podem gerar ao menos 10 bilhões de reais. Neste montante estão inclusos os recursos dos precatórios não sacados nos últimos dois anos (aprovado na quinta-feira pelo Senado), um novo programa de refinanciamento de dívidas de grandes empresas (o Refis) e o Funrural (que também trata de benefícios a devedores, só que apenas produtores rurais). Essas últimas medidas eram usadas como moedas de troca por Temer para manter sua base no Congresso Nacional.
Alternativa Maia
Algo comum em momentos de crise são as disputas entre as áreas políticas e econômicas nas quais os responsáveis pelas finanças defendem mais cortes e os que buscam apoio popular e congressual querem que aumente o investimento. Essa primeira queda de braço foi vencida pela equipe econômica que barrou neste ano reajustes no programa Bolsa Família (que transfere renda a cidadãos mais pobres), assim como no Minha Casa Minha Vida (o programa de habitação popular do Governo). Além disso, o Governo já flerta com mudanças no seguro desemprego, por entender que essa área está deficitária. “Não resta dúvida de que há uma queda de braço interna no Governo. Mas, pelo que se analisa hoje, o cenário é o de que vão tirar o grupo político atual e colocar outro, desde que preservada a equipe econômica”, afirmou Dweck.
Em Brasília, nas principais rodas de políticos o assunto é a substituição de Temer pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O presidente interino do PSDB, o senador Tasso Jereissati, afirmou que o país caminha para a “ingovernabilidade” e reforçou que Maia seria uma das alternativas para governar o país. Caso a Câmara autorize que o Supremo Tribunal Federal julgue o peemedebista pelo crime de corrupção passiva, e os magistrados dessa Corte o transformem em réu, ele é automaticamente afastado do cargo por até seis meses. Nesse período, Maia é quem assume o Executivo.
Maia disse na sexta-feira em um evento em Buenos Aires que tudo é especulação. “Aprendi em casa a ser leal, a ser correto, e serei com o presidente Michel Temer sempre”, afirmou. O burburinho em torno do seu nome, porém, não cessa. Neste domingo, o presidente da Câmara teve encontro com Temer na residência do mandatário, o Palácio do Jaburu. Na pauta, o crucial cronograma de tramitação da denúncia contra Temer, uma batalha que o Planalto gostaria de vencer ainda em julho, mesmo que seja preciso adiar o recesso parlamentar previsto para o dia 18. O processo dará mais um passo nesta segunda. A partir das 14:30, o deputado Sérgio Zveiter (PMDB-RJ) apresentará o seu relatório na Comissão de Constituição e Justiça sobre o pedido de abertura de processo contra o presidente. Se seu parecer for mesmo favorável à ação, como se diz no momento nos bastidores, será um revés importante para o Governo. Mais um.
O clima geral em Brasília pode ser ilustrado por um vídeo divulgado pelo senador neo-oposicionista Renan Calheiros (PMDB-AL), um dos mais experientes operadores políticos da capital: “O Governo Temer conseguirá a proeza de ser o refundador do caos”, diz ele, na peça, citando a crise financeira na máquina pública e numa provável referência aos últimos dias da gestão Dilma Rousseff. Seja quem for o mandatário nos próximos meses, o certo é que a perspectiva não é de céu de brigadeiro.