A partir de agora, o cidadão terá que informar a raça ou cor em todos os documentos públicos de Pernambuco em que for necessário constar os seus dados. O decreto foi assinado pelo governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), durante cerimônia no Palácio do Campos das Princesas, e deve ser publicado hoje (22) no Diário Oficial do estado. O prazo para implantação é de 90 dias.
De acordo com o secretário de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude, Isaltino Nascimento, o quesito aparecerá em qualquer formulário usado para acessar um serviço público. É o caso da matrícula escolar, do atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS), do registro de ocorrências policiais. “Essa era uma reivindicação histórica do movimento negro pernambucano. A gente vai poder medir o grau de acesso das políticas e, à medida que o decreto for implementado, teremos a possibilidade de aferir quantos puderam ser atendidos”, afirmou Nascimento.
Na segurança pública, por exemplo, Pernambuco segue a linha nacional: a maior parte das vítimas de homicídio é de jovens negros. De acordo com o secretário, ainda existe uma subnotificação na área, porque a identificação da raça não era obrigatória. Sobre o fato de, mesmo incompleto, o dado já existente não ter resultado em políticas que revertessem de forma efetiva esse quadro, Isaltino Nascimento anunciou um novo programa que está em fase de negociação de recursos – US$ 180 milhões – com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e com o governo federal.
Ele disse que o estado aguarda a autorização do governo. “É um projeto chamado PE Seguro, com foco na redução da criminalidade de jovens negros de 15 a 24 anos”. O secretário informou que foram mapeados 18 municípios, onde estão 300 bairros em que foram assassinados 64% dos jovens nos últimos cinco anos. “O foco é garantir acesso à escolaridade, o que é um desafio porque muitos que estão hoje no sistema socioeducativo e no sistema prisional têm baixa escolaridade; garantir a inclusão produtiva e a qualificaçã profissional, e evitar a reincidência em crimes”, acrescentou.
O decreto foi assinado em uma cerimônia de entrega da medalha Solano Trindade (artista e militante histórico da causa negra, nascido no Recife), criada recentemente para reconhecer pessoas e instituições que contribuíram para o combate à discriminação racial no estado. A primeira edição homenageou Sony Santos (in memorian), Edvaldo Ramos, o Afoxé Alafin Oyó, Inaldete Pinheiro e Walfrido da Silva.
A coordenadora da Política Municipal de Saúde da População Negra no Recife, Rose Santos, que recebeu a medalha em nome de Sony, disse que o decreto vai ajudar não só os pesquisadores e o movimento negro, mas a formulação de políticas públicas. “Por exemplo, quem mais morre com hipertensão arterial, com diabetes mellitus, morte materna, a partir do quesito cor – eu tenho como traçar e montar meu planejamento para minhas ações”.
A enfermeira e escritora Inaldete Pinheiro, uma das fundadoras do Movimento Negro no Recife e militante feminista, lembrou que outras leis criadas no Brasil até hoje não são respeitadas plenamente, como a legislação federal que obriga o ensino da história da África nas escolas.
“É duro a gente colocar isso, mas é o que vivemos. Se funcionar, vai ser excelente. Mas eu tenho experiência no município do Recife, em 2001, com um decreto semelhante, e as pessoas têm receio de perguntar a cor”, afirmou. Ela acredita que é preciso atuar para acabar com o racismo institucional presente no Estado e cita a morte de jovens negros como exemplo: “Imagina se fosse obrigatório, que percentual assustador teríamos? Mas, mesmo subnotificado, qual a política pública dirigida para isso? Que educação está sendo dada aos policiais, à população?”, questionou.
Na cerimônia também foi entregue o documento Mulheres Negras, com as demandas dessa população, resultado de um encontro entre lideranças de entidades do movimento negro e de mulheres com o secretário Isaltino Nascimento. “O documento vai ser analisado e feito um plano de ação para implantar medidas propostas”, informou o governador Paulo Câmara.
Agência Brasil