Capítulo mais controverso na prestação de contas do governo do Estado referente ao ano passado, os repasses da Celesc ao chamado Fundosocial formam o cabo de guerra em um duelo administrativo e tributário com adversários que já começam a medir forças. Uma quantia de R$ 615 milhões está no centro da disputa. O governo de Santa Catarina, de um lado, aplicou o dinheiro e defende a legitimidade da transação. Na outra ponta, municípios catarinenses, poderes e órgãos formam fila na expectativa de recuperar seus percentuais reivindicados do mesmo montante. Enquanto isso, o Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE-SC) toma providências para bater o martelo sobre a irregularidade ou não das operações.
Foi a pedido da própria Secretaria da Fazenda que a Celesc depositou os R$ 615 milhões ao fundo, entre os meses de abril e dezembro. Em contrapartida, o Estado compensou o mesmo valor na cobrança de ICMS da concessionária de energia. Contribuições financeiras para abater débitos de impostos são previstas pelo Fundosocial, mas a movimentação milionária foi colocada em xeque por auditores do TCE.
Isto porque, em vez de dar tratamento contábil aos valores como receitas tributárias, o Estado atribuiu códigos de receitas de doações. Na prática, isto permitiu a aplicação do dinheiro sem que percentuais da verba total tivessem de ser obrigatoriamente compartilhados com municípios, órgãos e poderes, conforme são divididas as cotas de ICMS.
É como se o Estado levasse à mesa um bolo inteiro e pudesse fatiá-lo sem se preocupar com os tamanhos dos pedaços e os pratos a serem servidos. O governo se ampara no convênio de número 85, alegadamente respaldado na Constituição Federal e pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), para justificar o procedimento como um “instrumento legal” no equilíbrio das contas.
Uma auditoria do TCE, no entanto, chama a prática de “engenharia financeira”. Após a aprovação das contas do governo no início do mês passado, quando o TCE apresentou uma versão resumida da auditoria e expôs questionamentos, o Estado passou a responder a dois processos ligados ao mesmo tema no Tribunal de Contas: um diz respeito às irregularidades apontadas na auditoria e outro é de monitoramento, com a finalidade de apontar se os procedimentos questionados persistem nas contas do governo.
Por precaução, a Fazenda suspendeu temporariamente o recolhimento dos repasses no mês passado – conforme reportagem do DC publicada em junho, já foram cerca de R$ 300 milhões depositados pela Celesc ao Fundosocial em 2016, o que promete alimentar novos embates futuramente.
O prazo para o Estado apresentar defesa no processo da auditoria termina nesta terça-feira. A partir de então, a área técnica do TCE terá cem dias para avaliar as argumentações e elaborar um relatório com sugestão de decisão. O documento será encaminhado ao Ministério Público de Contas para a emissão de parecer, depois receberá o voto de um relator e, finalmente, será julgado por conselheiros do Tribunal Pleno, que poderão ou não apontar responsáveis e eventuais punições.
O tempo de toda a tramitação ainda é incerto. A presidente da Federação Catarinense dos Municípios (Fecam), Luzia Coppi Mathias, garante correr atrás de “centavo por centavo” dos valores reclamados. A Udesc também já acenou ao Centro Administrativo que pretende receber quase R$ 17 milhões. Outros órgãos apenas aguardam decisão final do TCE para engrossar o coro às cobranças.
Porta-voz do governo no impasse, o secretário da Fazenda, Antonio Gavazzoni, diz querer evitar “indisposições institucionais”, embora não economize nas previsões pessimistas caso o Estado tenha de abrir mão da fórmula de repasses realizada junto à Celesc.