Na última semana, o país acompanhou de perto duas grandes mobilizações: no domingo passado (13), uma parcela significativa da população foi às ruas pedindo a renúncia ou o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, condenando a corrupção nas várias esferas governamentais e endossando o trabalho da operação Lava Jato e do juiz Sérgio Moro. Na sexta-feira (18), foi a vez daqueles que são contrários à retirada de Dilma do poder se manifestarem, marchando por democracia e garantia dos princípios constitucionais.
Para o filósofo e professor de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP), Pablo Ortellado, a pauta dos protestos de domingo passado (13) é mais objetiva.
“Os dois grupos são muito plurais. As bandeiras das mobilizações eram mais diversas no ano passado, quando se discutia se eram a favor ou contra o impeachment. Agora há unanimidade em relação a isso. A mobilização de sexta (18) foi mais divergente. Há quem apoie o governo Dilma incondicionalmente, há quem apoie o governo, mas critique a política econômica, e há quem não apoie o governo, mas é contra a interrupção do mandato da presidente”, explica.
Ortellado enxerga pontos de afastamento entre os perfis de integrantes dois movimentos: “O processo de mobilização dos dois grupos é muito diferente. Enquanto os manifestantes que compõem o grupo pró-impeachment é, em sua maioria, de classe média ou alta e branco, o grupo contrário à remoção da presidente é mais diverso, analisando a escolaridade, renda e composição étnica. Mas percebemos que os dois grupos estão extremamente mobilizados”.
Em São Paulo, a manifestação convocada em defesa do mandato da presidenta Dilma Rousseff reuniu 80 mil pessoas, de acordo com a Polícia Militar. No domingo, foram 1,4 milhão, segundo a instituição. Os organizadores do ato de ontem estimaram o público em 380 mil, enquanto os que estiveram à frente da passeata do dia 13 de março calcularam 2,5 milhões de participantes.
“A capacidade de mobilização dos que defendem o governo em São Paulo, onde um pedaço importante do jogo é jogado, foi surpreendente. Não foi um ato de grande envergadura, como foi o de domingo, que foi cinco vezes maior, mas não foi nem um pouco desprezível, principalmente em um momento de grande fragilidade do governo”, pontua Ortellado.
O professor diz que a sucessão de fatos políticos extremamente delicados – a delação do senador Delcídio do Amaral, a condução coercitiva do ex-presidente Lula e sua posterior nomeação como ministro-chefe da Casa Civil, culminando na divulgação das interceptações telefônicas feitas no âmbito da investigação da 24ª fase da Operação Lava Jato – agitaram os dois campos políticos.
“São mobilizações mais radicalizadas e acirradas. Houve um boom para os dois lados, gerando um antagonismo sem precedentes. É absolutamente imprevisível apontar o que vem agora, porque varia muito com a conjuntura. Só tivemos mobilizações deste tamanho por conta da sequência de eventos, e isso faz parte do jogo político. Os atores estão usando-os com o objetivo de indignar e mobilizar o povo. Eles não estão sendo lançados ao acaso”, declara.
Para Ortellado, a sociedade carece de um “fórum de discussão”: “A sociedade está hiperpolitizada e discutindo política de uma maneira muito apaixonada. O jogo político está sendo muito jogado nos meios de comunicação, que não cumprem seu papel de darem o viés analítico. Não temos um fórum de discussão, e sim um grande campo de batalha”.
E a consequência disso é a necessidade de ter que tomar um lado: “Tem esse sentimento de uma parcela expressiva da população, de não se identificar com nenhum dos dois lados. Mas o antagonismo é tão acentuado e tão frequente que essas vozes estão sendo atraídas para um dos polos ou atacadas por um dos dois. E as posições ponderadas se dissolvem em um debate de vozes que estão falando muito alto”.