O guia que confirmou a presença do felino já estava ancorado perto da margem quando chegamos. Trazia três turistas alemães que mal conseguiam conter o entusiasmo de ver tão de perto o terceiro maior felino do mundo. Nos aproximamos e a onça logo foi embora, assim como o barco vizinho, com os alemães extasiados. Tivemos pouco tempo antes que ela entrasse na mata para ensinar uma importante lição para a observação de onças no Pantanal: paciência.
No Porto Jofre, os guias costumam fazer a observação das onças pelo rio. O animal vai para a margem principalmente para caçar e é quando os turistas as veem e fotografam. Nosso guia, Júlio André Monteiro, trabalha no local desde 1988 e começou a levar turistas para ver o maior felino da América onze anos depois de começar a atuar. Ele afirma que é melhor não tentarmos encontrar outro animal. Vamos aguardar ‘nossa’ onça reaparecer. Paciência.
O motor do barco é desligado e ficamos atentos a qualquer movimento na vegetação. Júlio usa o remo ou religa o motor quando acha necessário. Transitamos nas proximidades de onde ela estava. Antes que uma possível impaciência surgisse, o guia solta mais uma lição sobre o Pantanal. “Aqui o homem tem que esquecer sua arrogância, somos meros espectadores”. E realmente não há muito o que fazer para que ela volte. Hora de exercitar a impotência diante da natureza. “Não uso nem apito ou nada que possa a atrair [a onça] porque isso é algo invasivo. Isso aqui não é caçada, o bem estar do animal vem primeiro”, explica. Nem sempre o turista entende, explica ele. Retomemos a primeira lição: paciência.
Às 9h37 a onça resolve reaparecer. Dessa vez nos dá mais tempo em sua companhia. É uma das maiores da região, segundo Júlio. Caminha, se espreguiça no sol, senta, deita. Boceja e exibe os enormes caninos. Sua presença é imponente. Sua respiração magnetiza. Uma possível briga por território lhe custou o olho direito. Já está na fase adulta, segundo o guia. Após boa sessão de fotos, volta para a mata mais fechada. Mas não estamos satisfeitos. Vamos esperar mais. Paciência.
Dessa vez a onça demora mais tempo para reaparecer. Enquanto isso, Júlio explica que existem cerca de 20 onças na região em que costuma levar seus turistas, pelo Porto Jofre, e cada macho demarca um território de aproximadamente 50 quilômetros. “Aqui é o melhor lugar para se ver onça em toda América”, garante. Mas nem isso pode assegurar uma observação. “Posso dizer que vocês deram muita sorte hoje. Encontramos a onça muito rápido. Para terem uma ideia, ontem ninguém viu nenhuma o dia todo”, conta.
O turismo para a observação do animal tem crescido vertiginosamente na região e movimenta cada vez mais recursos e atrai vários interesses, inclusive de gente de fora. Pessoas têm vindo de outros países com o pretexto de oferecer uma salvação para o animal no local e explorar o turismo. “Aqui só está cheio de onças, e é o lugar mais fácil de se observar uma, porque o pantaneiro cuidou e cuida do local. Isso tem que ficar bem claro para as pessoas”, enfatiza Julio. “É graças ao pantaneiro que o animal ainda vive aqui e pode ser visto”, completa.
E foram os guias que já trabalhavam no local vislumbraram no animal um diferente atrativo para turistas. Alguns começaram a procurá-lo após perceber o interesse de estrangeiros. Paulista, criado em um sítio em Chapada dos Guimarães, Giuliano Bernardon (foto ao lado) tem 37 anos e atua como guia desde 1998. Iniciou suas atividades em Chapada e acabou migrando com para o Pantanal. Sempre trabalhou com ave, que continua sendo sua ‘especialidade’. Mas em 2002 teve sua primeira experiência com observação do mamífero quando um fotógrafo alemão o procurou interessado em encontrar a onça pintada.
“Na época eu pesquisei, conversei com guias, até com caçador de onças para saber se era possível achar onça e por coincidência encontrei um pescador que estava com fotos lindas de onça e falou que um morador da beira do rio que sabia onde tinha onça e me mostrou. [Nessa época] o pessoal fazia transpantaneira à noite para ver onça, mas não fotografava tão bem. Então foi isso. Peguei o alemão, andamos por ai e eu vi que a maioria dos piloteiros de barco aqui da região não sabiam procurar ainda. E eu também não sabia. E comecei a entender”, relembra.
Hoje em dia, até o turista que vem procurar as aves acaba também querendo ver a onça. “É fato que a população de onça aumentou consideravelmente nos últimos 20/30 anos. E hoje em dia há uma demanda muito grande. Até os observadores de aves querem ver onça. O que para a gente limita nossa temporada de atuação, até porque ver onças na época de chuva é muito difícil, mas continua muito bom para ver pássaros. Só que os observadores de aves querem ver a onça também, então temos que preparar as visitas para a época da seca. Mas é inegável que o número de ecoturistas no Pantanal Norte aumentou muito por conta da possibilidade de ver onça”, avalia Giuliano.
De volta ao barco
Já nem reparo no relógio na terceira aparição da ‘nossa’ onça. Também já havia esquecido os e-mails que provavelmente lotavam minha caixa postal desde que saímos de Cuiabá, horas antes, naquela madrugada. Nada de telefonemas ou mensagens no whatsapp. É bom esse negocio de exercitar a paciência no Porto Jofre. Vento no rosto, canto de pássaros, barulho do Rio Cuiabá, cheio de vida sustentando o barco. Dessa vez ela desfila por uma distancia maior. Mergulha nas águas que batizam a capital do Estado. Volta para a margem. Júlio afirma que ela parece que querer caçar. Volta a entrar no mato. Pelo barulho, presumimos que pode ter conseguido uma presa. Escondida pela vegetação, não nos deu chance de fotografar esse momento. Não foi dessa vez. Paciência.