Cientistas mineiros estudam fungos da Antártica em busca de substâncias que possam servir para elaboração de medicamentos contra o vírus da dengue. O projeto Micologia Antártica ou simplesmente MycoAntar está realizando testes com mais de 5 mil extratos de substâncias obtidas. Dois deles já demostraram potencial para dar origem a antivirais para humanos, pois foram capazes de inibir o vírus da dengue com baixa toxicidade.
A iniciativa envolve pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), entre outras instituições. Durante cada Operação Antártica, que ocorre anualmente entre os meses de outubro e março, cientistas viajam ao continente gelado para realizar a coleta de fungos. As amostras, reunidas desde a criação do projeto em 2013, permitiu à UFMG constituir a maior coleção de fungos da Antártica do mundo. São cerca de 8 mil espécies.
Utilizando essas amostras, os cientistas da UFMG crescem os fungos em baixa temperatura e coletam extratos das substâncias produzidas. Eles são enviados para o Centro de Pesquisa Renê Rachou, da Fiocruz, sediado em Belo Horizonte. Lá são identificados os que manifestaram atividade biológica em contato com o vírus da dengue.
“Digamos que, de mil extratos, 100 foram ativos. Então, vamos mapear cada substância desses 100 extratos para testá-las individualmente. Já estamos nessa fase do estudo. Dois extratos já se mostraram mais promissores e agora vamos caracterizar todas as suas substâncias”, explicou Luiz Rosa, pesquisador da UFMG.
Também já foi identificada uma substância capaz de inibir o vírus da dengue, conhecida como meleagrina. No entanto, ela não é inédita. “Já havia sido observada em fungo marinho e agora nós a encontramos em um fungo da antártica. O problema é o seu preço. Apenas 1 miligrama vale US$ 1 mil. Mas pode ser que, de repente, nós descobrimos que esse fungo consegue produzi-la em maior quantidade. Ou quem sabe, no futuro, a gente consiga usar essa substância como modelo para criar uma molécula sintética que pode gerar um medicamento acessível”, acrescenta Rosa.
O cientista esclarece que o medicamento que buscam não será necessariamente capaz de eliminar a dengue. Pode ser, por exemplo, um remédio que alivie os sintomas de uma fase aguda ou que ajude a desenvolver uma vacina.
Biodiversidade
Com aproximadamente 14 milhões de quilômetros quadrados, a Antártica é territorialmente 1,6 vezes maior que o Brasil e 1,4 vezes maior que os Estados Unidos. Em toda essa extensão há uma grande variedade de seres vivos. No entanto, a vida do continente gelado é composta de poucos macroorganismos. A maior biodiversidade é microbiana, isto é, composta de bactérias, fungos, vírus, microalgas etc.
O isolamento da Antártica também faz com que muitas dessas espécies tenham características particulares e sejam exclusivas, não existindo em qualquer outra parte do mundo.
“Este ano nós descrevemos um fungo novo, azul, o que é muito raro. Então estas espécies que existem lá podem ter vias metabólicas únicas, o que pode levar a descoberta de substâncias inéditas”, esclareceu o pesquisador Luiz Rosa. A nova espécie foi encontrada na neve da Antártica e foi batizado de Antarctomyces pellizariae.
Os estudos com foco na busca por medicamentos contra a dengue estão mais avançados, mas também está sendo verificada a atividade das substâncias coletadas para os vírus da zika e da febre chikungunya, entre outras doenças. Luiz Rosa destacou a importância dos investimentos públicos no Mycoantar.
“As grandes indústrias farmacêuticas investem pouco nos estudos com doenças restritas aos países tropicais, que são geralmente países subdesenvolvidos. Isso porque pesquisas com essas enfermidades, como a dengue, a zika e a febre chikungunya, dão pouco retorno financeiro. Por isso, damos a elas o nome de doenças negligenciadas. Entretanto, elas nos afetam. Cabe aos órgãos públicos, como as universidades e a Fiocruz, desenvolverem esses estudos”, acrescentou o pesquisador.
Programa Antártico Brasileiro
O MycoAntar é um dos projetos que integram o Programa Antártico Brasileiro (Proantar), voltado para exploração científica do continente gelado. Ele existe desde 1982 e é desenvolvido a partir do apoio operacional da Marinha e do financiamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTI) e de instituições de fomento à pesquisa.
Desde 1982, em todos os anos, uma Operação Antártica é realizada. Entre outubro e março, os pesquisadores viajam para o continente gelado em expedições com apoio logístico da Marinha. Em 2016, ocorreu a 35ª Operação Antártica. Embora as expedições tenham período determinado, os estudos vinculados ao Proantar são ininterruptos e têm prosseguimento durante todo o ano nos laboratórios das instituições brasileiras participantes.