* Rafael Alvim e Felipe Moreira
Hoje trataremos do instituto da boa-fé, que aparece expressamente no CPC vigente apenas em seu artigo 14, inciso II, tratando dos deveres dos sujeitos processuais.
No texto do NCPC, a expressão é referida em pelo menos três dispositivos distintos, quais sejam: i) artigo 5º – como dever de todo e qualquer sujeito do processo; ii) artigo 322, §2º – como princípio norteador da interpretação do pedido formulado; e iii) artigo 489, §3º – como princípio norteador da interpretação das decisões judiciais.
Dessa forma, verifica-se que a boa-fé objetiva, seus deveres anexos (deveres de respeito, confiança, lealdade, cooperação, honestidade, razoabilidade etc.) e seus conceitos parcelares (supressio, surrectio, tu quoque, exceptio doli, venire contra factum proprium non potest e duty to mitigate the loss), muito caros aos civilistas (cf. TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. São Paulo: Método, 2014), ganham importância central também para a Teoria Geral do Processo.
Sobretudo a partir da publicação do Código Civil de 2002, os tribunais brasileiros passaram a prestigiar a boa-fé no campo do direito material, posicionando-a como tema principal dentro da teoria geral dos contratos. Eis o Enunciado nº 26 da I Jornada de Direito Civil do STJ/CJF: “A cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como exigência de comportamento leal dos contratantes.”.
No campo do direito processual, também já se encontram decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça utilizando o princípio da boa-fé para interpretar a conduta das partes (STJ, AgRg no REsp 1.439.136 e REsp 1.119.361). Nesse sentido, é dever dos sujeitos processuais se comportar conforme a boa-fé, expressando a verdade em suas manifestações, colaborando para com a rápida solução do litígio (v. NCPC, art. 6º) e utilizando sem abuso seus poderes processuais.
A litigância de má-fé permanecerá com as mesmas hipóteses já existentes no vigente artigo 17 (v. NCPC, artigo 80, I a VII). O teto para a multa, entretanto, em vez do atual 1% do valor da causa, irá para 10% do valor corrigido da causa (ou 10 salários mínimos nos casos de valor da causa irrisório ou inestimável), além da possível indenização para a parte prejudicada (NCPC, art. 81).
Por fim, cabe ressaltar que o NCPC vai além, trazendo o princípio da boa-fé também para o campo hermenêutico, a nortear a interpretação dos pedidos formulados perante o Judiciário e das próprias decisões judiciais.
Isso trará efeitos práticos sobretudo no âmbito recursal, no qual o tribunal deverá decidir desde logo o mérito quando, por exemplo, interposta a apelação e a causa estiver em condições de imediato julgamento, decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir (v. NCPC, art. 1013, §3º, II).
Também para a hipótese de ajuizamento de ação rescisória fundada em violação manifesta de norma jurídica (v. NCPC, art. 966, V), o princípio da boa-fé, como norma jurídica que é, poderá ser invocado como fundamento para a rescisão.
Continue acompanhando conosco as novidades do Novo CPC!
Um abraço,
* Rafael Alvim e Felipe Moreira são analistas do Instituto de Direito Contemporâneo