Pode-se dizer que onde há democracia no mundo, há eleições diretas para um parlamento, para um governo federal e há também mecanismos para tirar, caso necessário, governantes que tenham cometido crimes (a depender de cada país e Constituição) durante o seu mandato. No Brasil, um dos requisitos para o impedimento é o que chamam de crime de responsabilidade, este que foi aceito pelo presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha contra a presidenta Dilma Rousseff. Não acho que um impeachment seja por si um golpe. Eu gosto de pensar que, caso um presidente eleito se envolva em esquemas de corrupção, nós tenhamos a chance de tirar ele de alguma forma.
Eu não veria problema algum em ver aberto o processo de impeachment contra Dilma se ele não tivesse sido usado, antes, como ferramenta de barganha, como forma de ganhar poder e dinheiro sujo. Eu também não veria problema no impeachment contra a presidenta se ele fosse aberto de forma coerente, com forte embasamento legal e conduzido da forma mais democrática possível, sobretudo respeitando a Constituição Federal.
Mas não foi o que aconteceu até agora, visto que Eduardo Cunha negociou com o governo e jogou com a oposição de direita desde o princípio. Abusou do cargo e do privilégio de poder, a qualquer momento, abrir o processo de impeachment. Somente quando se viu “sem pai e nem mãe”, resolveu apertar start para ver onde o jogo termina, porque o seu já terminou faz tempo. Cunha é hoje um zumbi político. Já caiu, mas ainda está atirando, graças a uma mídia omissa, um governo inepto e de uma gangue formada dentro do parlamento.
Ontem a noite, no ato de formação da comissão parlamentar que irá analisar o processo de abertura de impeachment, Cunha atropelou (mais uma vez) a Constituição e inventou, abaixo de voto secreto, a criação de chapas para formar a comissão que analisará o processo de impeachment. Duas atitudes que atentam contra o regimento da casa, a Constituição brasileira e o acordo histórico entre todos os partidos ali representados.
Afinal, quem ganha com um processo tão delicado para nossa democracia e nosso sistema político, sendo levado à margem da legalidade e da constitucionalidade?! Para analisar impeachment de um mandato presidencial supostamente corrupto, é viável utilizar de atitudes corruptas para alcançar o impedimento?! O lema maquiavélico “os fins justificam os meios” não me parece uma alternativa aceitável. Depois de tudo que passamos, não há mais espaço na história do Brasil para outro março de 64.
Por isso, acredito que é possível sim ser oposição ao governo do PT/PMDB; detestar a Dilma; ser contra a política econômica estabelecida pelo governo e defendida pelo PSDB, DEM e outros; mas ainda assim ser contra o impeachment. Pelo o menos este que está aí. Ser contra este impedimento não é estar ao lado do governo, como anunciam alguns oportunistas. Antipetistas e governistas estão querendo criar um clima semelhante ao da última campanha eleitoral, de que a Coração Valente vai salvar o país das garras da direita imperialista e o Aécio Neves vai salvar o Brasil das mãos do bolivarianismo (seja lá isso quer dizer). No fim, isso só beneficiou os dois maiores partidos do país (PT e PSDB), e é dessa falsa dicotomia que eles sobrevivem hoje.
PT, PSDB e PMDB governaram o país nos últimos 20 anos. Sendo que o PMDB, especialmente, pode-se dizer que está no governo federal desde a redemocratização. Hoje, nenhum deles pode-se dizer que é alternativa para o outro. Todos os três são fortemente financiados por empresas; todos os três governam para os muito ricos deste país e são aliados com o que há de mais podre na república. Quando não no nível, federal, no nível estadual e municipal.
Não pisarei na lama para defender um governo corrupto, aliado dos banqueiros, das multinacionais e das empreiteiras; mas tampouco farei coro a um processo de impeachment fruto de chantagem, clientelismo, demagogia e também de corrupção. No fundo, o que nos falta é consciência de classe: a esmagadora maioria dos deputados federais da atual legislatura foram eleitos com muita grana de empresas e dinheiro sujo. Dá para contar nos dedos quais deputados de fato representam os trabalhadores, que lutam por direitos e por mais democracia. Ou seja, a Câmara Federal não representa o povo brasileiro e o impeachment de hoje é para decidir qual elite continua no poder.
Infelizmente o golpe já foi dado. A lista de retrocesso com PT/PMDB no governo federal e PSDB/DEM/PPS e outros partidos no Congresso é extensa.
Golpista é o PT e a Dilma, que venderam uma coisa na campanha e entregaram outra completamente diferente. Golpista é o Temer e o PMDB, que há 14 anos constroem o mesmo barco que o PT para o país e agora que está afundando, querem pular fora. Golpista é o PSDB e o Aécio, que ainda não aceitaram a derrota nas eleições de 2014 e tentam a todo custo derrubar um governo legitimamente eleito pelo voto popular. Golpista é o Cunha, que usa seu cargo para manobrar investigações contra si e seu rebanho.
Golpistas são todos aqueles que terceirizaram o país; que fizeram ajuste fiscal para os trabalhadores ao invés de cortar dos milionários; são todos aqueles que fizeram uma reforma política para benefício próprio, excluindo partidos pequenos de debates e outros absurdos; são aqueles que, apesar da derrota, votaram até ganhar pela maioridade penal e pelo financiamento privado de campanha; são aqueles que votaram uma lei antiterrorismo com o único objetivo de intimidar os movimentos sociais e as pessoas que vão às ruas se manifestar por mais direitos, mais educação, moradia, etc. Golpista é quem revoga Estatuto do Desarmamento, quem cria Estatuto da Família e deixa metade das famílias brasileiras desamparadas. Golpe é um código de mineração escrito em computado de advogado de mineradoras. Golpistas, corruptos e achacadores são todos aqueles que durante todo este tempo brincaram com nossos direitos e nossas vidas para ganhar mais poder e mais dinheiro. Eles não estão nem aí para o país, não estão nem aí para nós.
Com Dilma a vaca tossiu, rolou na lama (da Vale) e está jogando na lateral direita do campo político e econômico. No fim, o assunto impeachment não se trata de ser melhor ou pior com Dilma na presidência. Sem medo, na atual conjuntura, podemos afirmar que com ela, Temer ou Aécio, dá tudo na mesma. A única diferença entre eles, hoje, é que Dilma ganhou seu mandato nas urnas. Os outros querem ganhar no tapetão.
*Murilo Azevedo é professor e presidente do PSOL de Biguaçu
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