*Rafael Alvim e Felipe Moreira
O texto de hoje alude à chamada “usucapião extrajudicial ou administrativa”, trazida como alteração da Lei Federal nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos) pelo artigo 1.071 do Novo Código de Processo Civil:
“Art. 1.071. O Capítulo III do Título V da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), passa a vigorar acrescida do seguinte art. 216-A: ‘Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com: I – ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias; II – planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes; III – certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente; IV – justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.’ (…)”.
Interessante ressaltar a necessidade de o interessado se fazer representar por advogado, e também da instrução do pedido com ata notarial lavrada por tabelião de notas atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias. E o procedimento específico é detalhado nos parágrafos 1º a 10º do dispositivo, garantindo-se, como deve ser, ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município, com possibilidade de manifestação em 15 dias sobre o pedido (§3º), bem como ampla publicidade ao procedimento, com publicação de edital em jornal de grande circulação (§4º).
Pode-se dizer que se trata de uma tendência do legislador a partir de alguns casos exitosos de desjudicialização de determinados procedimentos, sobretudo diante dos bons resultados advindos da experiência com o divórcio consensual realizado por escritura pública quando não há filhos menores ou incapazes do casal (CPC 1973, art. 1.124-A, incluído pela Lei Federal nº 11.441/07).
Muito longe de se diminuir o prestígio do Poder Judiciário, que continuará inafastável nos casos de lesão ou ameaça de lesão a direito por expressa determinação constitucional (CR, art. 5º, XXXV), esse tipo de iniciativa legislativa valoriza a busca pelo consenso, desburocratiza procedimentos e dá celeridade à prestação da tutela estatal (em sentido amplo), ainda que pelas vias extrajudiciais.
O próprio dispositivo citado, por exemplo, garante o recurso à via judicial (“sem prejuízo da via jurisdicional”) e também o procedimento de dúvida (“§7º Em qualquer caso, é lícito ao interessado suscitar o procedimento de dúvida, nos termos desta Lei”), indicando que o caminho extrajudicial é claramente uma alternativa ao interessado. Além disso, também há regra expressa no sentido de que a rejeição do pedido extrajudicial não impede o ajuizamento de ação de usucapião (§9º).
Espera-se que, com isso, torne-se facilitado o desenrolar de muitas demandas antigas que tratam do tema, assim como se estimule a regularização de inúmeras situações possessórias, muito embora se saiba que o custo da via extrajudicial costuma ser maior do que o da judicial.
*Rafael Alvim e Felipe Moreira são analistas do Instituto e Direito Contemporâneo