Às vésperas de encaminhar ao Congresso Nacional medida provisória para conceder uma nova rodada do auxílio emergencial, diante dos persistentes impactos econômicos e sociais provocados pela pandemia de Covid-19, o governo federal planeja mudanças no programa Bolsa Família, com a ampliação do número de beneficiários e o aumento do valor médio dos repasses.
A ideia é que as alterações sejam implementadas após o fim do auxílio, previsto para outubro deste ano ‒ se as indicações de mais três meses de benefício forem confirmadas. Mas o martelo ainda não foi batido sobre a nova formatação do novo programa.
Para que o Bolsa Família turbinado possa valer ainda durante o mandato do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), as novas regras precisam entrar em vigor em 2021. Isso porque a Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) veda, no ano da realização do pleito, “a distribuição de bens, valores ou benefícios, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior”.
O Bolsa Família repaginado, ainda sem nome definido, é uma das apostas de Bolsonaro em seu projeto pela reeleição, que ganhou força com o ingresso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no páreo. O benefício poderia ajudar o presidente a recuperar apoio de parte do eleitorado, sobretudo nas faixas de renda mais baixa.
Segundo pesquisa XP/Ipespe divulgada em 11 de junho, 50% dos brasileiros avaliam a atual administração como “ruim” ou “péssima”, contra 26% de classificações positivas. Entre aqueles com renda familiar mensal de até dois salários mínimos, os percentuais são de 48% e 23%, respectivamente. Já no grupo dos que não trabalham, são 23% e 54%.
Em entrevista concedida na semana passada à SIC TV, afiliada da TV Record em Rondônia, Bolsonaro disse que o Bolsa Família será reajustado e o valor médio mensal saltaria de R$ 190 para R$ 300. O mandatário tem manifestado preocupação com o impacto da inflação de produtos de primeira necessidade sobre o orçamento das famílias.
“É um número bastante grande, pesa para a União, mas nós sabemos da dificuldade da nossa população. A equipe econômica praticamente já bateu o martelo nesse novo Bolsa Família a partir de dezembro de R$ 300 em média”, disse na ocasião.
O número pegou de surpresa técnicos do Ministério da Economia, que trabalhavam com um cenário de aumento para R$ 250,00. Hoje, o Bolsa Família atende 14,6 milhões de pessoas a um custo total de R$ 34,8 bilhões anuais.
Com o aumento no repasse médio como desejado por Bolsonaro, o custo do programa passou a ser estimado por economistas em cerca de R$ 53,5 bilhões por ano ‒ o que já gerou um movimento para buscar fontes de financiamento. Mas o próprio presidente abortou algumas alternativas durante o debate sobre o Renda Cidadã no ano passado.
“Tirar abono salarial, seguro-defeso e uma série de benefícios: esses pontos já foram abatidos antes do voo pelo presidente. Como recolocar essa discussão agora? O presidente estaria mais propenso a aceitá-las? Acho difícil, ainda mais com a proximidade das eleições. Bolsonaro não quer tomar medidas impopulares neste momento. Então, fica cada vez mais difícil fechar a equação”, pontuou Júnia Gama, analista política da XP, no podcast Frequência Política.
Dias após a sinalização do pai, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) disse que o governo planeja ampliar a base de beneficiários do programa, e o repasse médio passaria para cerca de R$ 270,00 ‒ o que reduziria a pressão sobre as contas públicas no ano que vem.
Além do aumento no valor médio do benefício, o governo também sofrerá pressão para zerar a fila do programa em 2022. Em abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que seja implementado o pagamento do programa de renda básica de cidadania para os brasileiros em situação de extrema pobreza e pobreza, com renda per capita inferior a R$ 89 e R$ 178.
Os magistrados julgaram parcialmente procedente o Mandado de Injunção (MI) 7300, impetrado pela Defensoria Pública da União (DPU), e reconheceram que houve omissão na regulamentação do benefício, previsto na Lei 10.835/2004.
Desde que a decisão foi tomada, o governo trabalha com a ideia de combinar, no novo programa, um incremento no repasse médio mensal, e um aumento no contingente de beneficiários ‒ apesar do impacto fiscal, um ativo eleitoral relevante.
“Em se tratando de ano eleitoral, Bolsonaro vai precisar de uma bandeira na área social depois do fim do auxílio emergencial. Mesmo com projeções econômicas melhores, o eleitorado formado por trabalhadores informais é um público em que Lula é muito forte”, destaca o analista político Carlos Eduardo Borenstein, da consultoria Arko Advice.
“Mas Paulo Guedes não vai ceder facilmente na questão do teto. Haverá um debate, e tem a ver com como a economia vai andar nos próximos meses. Em outros episódios, a equipe econômica colocou como condição [para sua permanência] a continuidade do teto de gastos. Não dá para cravar que vai furar o teto ou que vai ser R$ 300. É um assunto em discussão”, complementa.
Do ponto de vista político, analistas acreditam que a tendência é que o governo chegue a um desenho que caiba nos limites estabelecidos pelo teto de gastos de 2021, mesmo se o repasse médio acabar em patamar inferior ao apontado por Bolsonaro. A regra fiscal impede que as despesas do governo em um ano cresçam acima da inflação de 12 meses, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), acumulada até junho do ano anterior.