*Deutsche Welle – Em 1935, um canal em São Francisco do Sul, em Santa Catarina, foi aterrado para a construção de uma linha férrea, causando danos ambientais. Segundo advogados do município, a culpa é dos alemães. Mais de oito décadas depois, a cidade de São Francisco do Sul, no Litoral Norte de Santa Catarina, quer pedir à Alemanha reparação por danos ambientais causados nos anos que antecederam a Segunda Guerra.
Segundo a alegação, a Alemanha seria responsável por uma obra que aterrou, durante o governo Getúlio Vargas, o Canal do Linguado, importante estuário para reprodução de espécies.
O aterro foi necessário para a construção de uma linha férrea sobre um antigo braço do mar. Pelos trilhos, eram levados materiais de Joinville até o porto de São Francisco do Sul, de onde partiam para Hamburgo. Também por ali chegavam mercadorias alemãs.
“A ação não tem necessariamente caráter indenizatório”, diz à DW Brasil Maristela Basso, advogada que atua no processo e professora de Direito Internacional da USP. “Vamos pedir colaboração nas pesquisas, transferência de tecnologia, mais estudos e restauração do Canal.”
Segundo Basso, o governo alemão já recebeu um primeiro dossiê com as informações históricas. Em São Paulo, o consulado alemão foi convidado para uma reunião na quarta-feira (31/01) para tratar do tema, juntamente com representantes do Ministério Público Federal, mas ninguém compareceu.
Por telefone, um representante do consulado informou a reportagem da DW que, segundo a avaliação da Alemanha, o país não tem qualquer responsabilidade e que a decisão de construir o aterro foi do governo brasileiro.
Em 1933, um decreto assinado por Getúlio aprovava a construção de uma linha que permitisse, além do tráfego ferroviário, “o de veículos automóveis de grande peso”.
Na década de 1930, Santa Catarina já era marcada pela presença alemã. As primeiras indústrias de descendentes começavam a se estabelecer na região. No porto da então ilha de São Francisco do Sul, o menos fiscalizado da região, o fluxo de mercadorias, como o de ferro fundido, era intenso.
A hipótese que será usada no processo é que a construção da ferrovia em São Francisco do Sul pode ter tido uma motivação que ia além das relações econômicas – a Alemanha era, na época, o principal parceiro comercial brasileiro.
“As nossas pesquisas bibliográficas indicam que a Alemanha tinha a pretensão de colocar uma operação militar na região”, afirma Bruno Croce, integrante do movimento de reabertura do Canal do Linguado. A construção de uma estrada de ferro com capacidade para escoar material bélico a partir de São Francisco do Sul faria parte da estratégia, denunciam os autores da ação.
Em 2007, uma pesquisa publicada por Ana Maria Dietrich, atualmente professora na Universidade Federal do ABC, mostrou que o Brasil tinha a maior célula do partido nazista fora da Alemanha, com quase 3 mil filiados. Eles representavam, porém, menos de 5% da comunidade alemã no Brasil.
Sua importância política, estratégica e militar para o regime de Adolf Hitler é tida como irrelevante por historiadores. No Brasil, o partido jamais interferiu na política local ou participou de eleições, tendo sido proibido pelo governo de Getúlio em 1938.
“Vamos adensar o dossiê com mais informações e tentar deixar claro para eles estiveram lá e são responsáveis pela construção do aterro”, argumenta a advogada Maristela Basso.
Geovani Machado, empresário e ambientalista que encabeça a iniciativa de pedir reparação, diz que busca uma explicação oficial para as versões que circulam na região, de que a ação da Alemanha teria provocado a construção às pressas da ferrovia e causado o
impacto ambiental .
“Santa Catarina foi uma grande colônia alemã. Em nome de uma relação comercial e afetiva tão forte que existiu nos anos de 1930, quando foi o fechamento do canal, fazemos um pedido de ajuda ao país que teria a maior competência para uma solução.”
Danos ambientais
Em 1936, um ano após o aterramento, manchetes nos jornais locais reclamavam dos impactos ambientais. Um estudo coordenado por Cláudio Rudolfo Tureck, da Univille (Universidade da Região de Joinville), em 2004, mostrou que a obra causou mudanças na hidrodinâmica da baía, aumentou a erosão e o assoreamento na região.
“O aterro passou a impedir que peixes fossem depositar suas larvas no antigo estuário, que era uma importante área de reprodução marinha. Isso provocou também redução da atividade pesqueira”, comenta Tureck. O linguado, que dava nome ao local, desapareceu.
Tureck, que coordena a formação de uma câmara técnica focada para a discussão, diz que mais estudos são necessários para avaliar uma possível reabertura do Canal do Linguado. Alguns moradores da região próxima ao aterro, que teve parte ocupada após a obra, são contrários
à iniciativa.
Devido aos impactos ambientais observados nos últimos 80 anos, o Ministério Público Federal moveu ações na Justiça para reabrir o canal. A estratégia agora é tentar uma mediação junto à União em busca de uma alternativa.
No âmbito internacional, caso as negociações com governo da Alemanha não avancem, os advogados do caso querem recorrer à Corte Internacional de Justiça da ONU. O problema é que o Brasil não reconhece a jurisdição desse tribunal, o que, na prática, inviabilizaria a ação.
“Na Corte Internacional, nós não vamos buscar uma sentença, mas vamos pedir um parecer consultivo: a Alemanha tem ou não responsabilidade?”, diz advogada.
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