Enquanto o tempo passa o barco fica ali no movimento das marés a espera da liberação das autoridades para a pesca. O sol aquece o mar e a temperatura da água faz com que venham poucos peixes.
O relógio parado fica na marcação do tempo, cada segundo, cada minuto, nesse instante tudo acontece. O senhor após um trago de cachaça atravessa a BR 101 para pegar um pneu do outro lado da avenida e é acertado em cheio por um caminhão e morre. Remotas lembranças de um contador de histórias.
Coloca sua jaqueta e senta no sofá. Antes do trago de café relembra o índio que mora praticamente num bairro alemão. Ali também se encontra famílias de negros, o que para muitos é uma surpresa, ainda mais no estado de Santa Catarina. Nosso estado é vendido como terras de alemães e italianos.
Conta o senhor de 67 anos que eram poucos os lugares que o negro podia entrar aqui em Santa Catarina. De sua memória citou o Club Doze de Agosto…
O Club Doze surgiu durante o Império, ao qual Florianópolis ainda chamava-se Desterro. Nesse período aconteceram muitas mudanças que alteraram os rumos do clube. Este então se reinventa e investe em eventos esportivos.
Nessa época, em 1872, o Brasil era um país monárquico e escravagista. O fato da abolição da escravatura só ocorreria 16 anos depois. Enquanto isso a proclamação da Republica era uma utopia. Acontecendo o fato 17 anos depois.
O clube é marcado por diversas histórias, mas o ponto marcante em si é que o clube era o espaço da fina flor da elite. Não diferente dos dias atuais, muitas coisas são regidas pela posição de classe A e a tal de elite chega a mandar no campo cultural e educacional. Quando não, uma gama de conservadores. Com isso gera a exclusão de muitos catarinenses. Mas isso não é uma particularidade nossa e sim do Brasil.
Disse o senhor no seu sofá: – Não era pelo dinheiro, era mais pela cor que o negro ficava de fora.
No tempo da ditadura muitas eram as manifestações, revoltas, ações artísticas, a música como libertação e a luta pela liberdade. Nesse caso a luta pela liberdade não era só privilégio do negro. Numa de suas lembranças o contador de histórias relembra uma música cantada naquela época, algo que não foge da realidade dos dias atuais, um Brasil que foi idealizado como terra dourada, da ordem e do progresso que não passa de utopia: “Brasil terra dourada; saí de casa pra cagá na estrada; a merda endureceu; passou um carro e furou o pneu; levaram pra prefeitura, examinaram; era merda pura, levaram lá pro xadrez, por desaforo caguei outra vez.’’
E o passeio por essas memórias regressa 2017 e me faz questionar: O que mudou então?
*Clarisse da Costa é poetisa, cronista e artesã
clarissedacosta81@gmail.com