Exame – O presidente Donald Trump e o ditador Kim Jong-un assinaram nesta terça-feira em Singapura um documento no qual os Estados Unidos prometem “fornecer garantias de segurança à Coreia do Norte”, que por sua vez reafirma seu compromisso com a “completa desnuclearização da Península Coreana”. O documento é uma carta de intenções, sem metas, detalhes ou prazos. Mas os quem acompanham de perto esse processo não esperariam muito mais de um encontro dessa natureza, preparado às pressas, que chegou a ser cancelado três semanas antes, para resolver um conflito tão complexo, que já dura mais de seis décadas.
De acordo com o texto, os dois países agora levarão adiante negociações, que serão comandadas pelo secretário de Estado americano, Mike Pompeo, e por outro alto funcionário norte-coreano, provavelmente o general Kim Yong Chol, ex-chefe do serviço secreto e de operações especiais, o chanceler Ri Yong Ho ou o vice-presidente do Partido dos Trabalhadores, Ri Su Yong. Os três acompanharam Kim Jong-un na cúpula, a primeira na História entre um presidente americano e um governante da Coreia do Norte.
A carta diz ainda que os dois governos “juntarão seus esforços para construir uma paz duradoura e estável” na península. Além do recém-montado arsenal nuclear norte-coreano, do outro lado da fronteira estão 28.500 soldados americanos, assim como navios e aviões.
Ao final do encontro, realizado na ilha de Sentosa, um aterro transformado em balneário, Trump disse que espera que a desnuclearização da Coreia do Norte ocorra “muito, muito rapidamente”. O presidente americano, que antes do encontro havia afirmado que, “no primeiro minuto” de conversa com Kim, já saberia se ele teria resultados ou não, disse ter criado uma “ligação muito especial” com o norte-coreano. “As pessoas ficarão muito impressionadas e muito felizes e vamos cuidar de um problema muito perigoso para o mundo”, celebrou Trump, que nos últimos meses vinha demonstrando enorme empenho em conseguir avançar no diálogo com Kim.
Os repórteres lhe perguntaram se ele convidaria o ditador norte-coreano para visitar a Casa Branca, como havia aventado anteriormente, e ele respondeu: “Com certeza, convidarei”. O presidente americano encheu o jovem ditador de 35 anos de elogios, chamando-o de “negociador muito inteligente, valoroso e duro”. E acrescentou, sobre o herdeiro da dinastia Kim educado na Suíça: “Percebi que ele é um homem muito talentoso. E também que ele ama muito o seu país”.
Kim estava visivelmente embevecido ao lado de Trump, num encontro que elevou enormemente o status de seu país no cenário internacional, e que nesse sentido por si só já é um grande resultado para ele. “Nós superamos todos os tipos de ceticismo e especulações sobre esta cúpula e acredito que isso seja bom para a paz”, declarou o ditador norte-coreano, cujo avô, Kim Il-sung, fundou a dinastia comunista em 1948. “Acho que este é um bom prelúdio para a paz.” Nos primeiros minutos do encontro, que transcorreram na frente dos fotógrafos e cinegrafistas no Hotel Capella, Kim disse a Trump: “Acho que o mundo todo está assistindo a este momento. Muitas pessoas no mundo pensarão que esta cena é uma fantasia, um filme de ficção científica”. Antes de assinar o documento, Kim declarou: “O mundo verá uma grande mudança”. Além das garantias de que seu país não será atacado pelas forças americanas, o ditador espera como contrapartida à suspensão de seu programa nuclear o fim das sanções comerciais que asfixiam sua economia. Trump considera que foi justamente o seu método de “pressão máxima” – que incluiu a ameaça de interceptar cargueiros destinados à Coreia do Norte – que fez o regime ceder.
Ambos seguiram apenas com seus respectivos intérpretes para a biblioteca do hotel onde ficarão por cerca de 40 minutos. Depois, saíram de lá e se juntaram a seus principais assessores. No caso americano, além de Pompeo, estava o chefe do Conselho de Segurança Nacional, John Bolton, e o chefe de gabinete da Casa Branca, John Kelly. Também está em Singapura o embaixador americano em Brasília, Peter Michael McKinley. Ele deve deixar em breve o posto em Brasília para assessorar Pompeo. Depois desse segundo encontro ampliado, as duas delegações seguiram para um almoço de trabalho. Dele participou também a irmã do ditador, Kim Yo-jong, que o representou nos Jogos Olímpicos de Inverno na Coreia do Sul, que deram início ao atual degelo, em fevereiro.
Terminado o almoço, Trump e Kim saíram caminhando pelos jardins do prédio. Nesse momento, o presidente disse aos repórteres que a cúpula tinha sido “melhor do que qualquer um poderia esperar”. Durante o passeio, Trump mostrou a Kim alguma coisa no banco de trás de sua limusine, apelidada de “A Fera”, que estava estacionada no local.
O dólar fechou em alta nos mercados asiáticos, com a boa notícia. O encontro Trump-Kim vem sendo comparado com a visita do então presidente Richard Nixon a Pequim, em 1972, que selou o degelo entre os dois países. Mas é muito cedo para dizer se estamos diante de uma nova diplomacia do ping pong — ou do basquetebol, esporte preferido de Kim. As negociações se dão à sombra de dois acordos anteriores fracassados entre os dois países, em 1994 e 2005, que terminaram em trocas acusações de que o outro não cumpriu sua parte: a Coreia do Norte devia abrir mão de seu programa nuclear e os EUA, fornecer-lhe petróleo e construir reatores nucleares para gerar energia no país. Quando Trump disse, antes de embarcar para Singapura, que “a vida o tinha preparado para ela”, parecia mais um arroubo do bilionário, que em geral considera que suas experiências de empresário no mercado imobiliário o credenciam para qualquer situação. Mas essa frase tinha um sentido um pouco mais profundo.
Trump se preocupa com a Península Coreana há muito tempo. Em 1959, seu pai, Fred Trump, o mandou para a Academia de Cadetes de Nova York. A escola cultivava na época uma veneração pelo general Douglas MacArthur, que foi destituído pelo presidente Harry Truman por insistir que os Estados Unidos deveriam ir além na campanha da Guerra da Coreia (1950-53) e invadir a China. Trump não pensa em invadir a China, embora esteja numa guerra comercial com ela, mas desde então tem sua atenção voltada para o conflito não resolvido. Ele teve início quando a Coreia do Norte invadiu a do Sul, com assistência soviética. Com mandato da ONU, os EUA intervieram e contiveram as forças norte-coreanas. Tropas chinesas vieram no socorro da Coreia do Norte e a guerra terminou empatada, com 3 milhões de mortos.
Em 1999, Trump declarou que “negociaria como louco” com a Coreia do Norte, se estivesse no lugar do presidente americano. Em junho de 2016, então como candidato ao cargo, ele disse que “comeria um hambúrguer” com Kim. A oferta foi feita num contexto em que ele criticava os gastos com banquetes pelo governo americano, na visão dele sem resultados. Essa frase levou as lanchonetes e restaurantes de Singapura a fazer promoções com hambúrgueres nos últimos dias, e a criar pratos dedicados a Trump e a Kim. No fim das contas, o almoço foi mais que isso: o cardápio incluiu costela de vaca, porco agridoce e bacalhau grelhado à moda coreana. De sobremesa, torta de chocolate amargo e sorvete de baunilha — bem ao gosto de Trump. Resta ver se esse encontro também irá além das boas intenções.