O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu liminarmente a lei 13.269/16, que autorizou o uso da fosfoetanolamina sintética, conhecida como “pílula do câncer”. A decisão, julgada nesta quinta-feira (19), se deu por maioria, 6 votos a 4, em julgamento da ADIn 5.501, ajuizada pela Associação Médica Brasileira.
Relator, o ministro Marco Aurélio votou pela suspensão liminar da eficácia da norma, até o julgamento definitivo da ADIn. Ele foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. Os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Dias Toffoli e Gilmar Mendes votaram apenas pelo parcial deferimento da liminar, liberando a substância para os pacientes terminais.
A Associação alegou que, diante do “desconhecimento amplo acerca da eficácia e dos efeitos colaterais” da substância em seres humanos, sua liberação é incompatível com direitos constitucionais fundamentais.
Em seu voto, o ministro Marco Aurélio pontuou que o Congresso Nacional, ao permitir a distribuição de remédio sem o controle prévio de viabilidade sanitária, não cumpriu com o dever constitucional de tutela da saúde da população.
“A esperança depositada pela sociedade nos medicamentos, especialmente naqueles destinados ao tratamento de doenças como o câncer, não pode se distanciar da ciência. Foi-se o tempo da busca desenfreada pela cura sem o correspondente cuidado com a segurança e eficácia das substâncias. O direito à saúde não será plenamente concretizado sem que o Estado cumpra a obrigação de assegurar a qualidade das drogas distribuídas aos indivíduos mediante rigoroso crivo científico, apto a afastar desenganos, charlatanismos e efeitos prejudiciais ao ser humano.”
Na ADI, a Associação observa que a fosfoetanolamina sintética, descoberta na década de 1970 por um docente aposentado da USP, teria sido testada unicamente em camundongos, com reação positiva no combate do melanoma (câncer de pele) neste animal. Devido à expectativa gerada pela substância, apresentada como capaz de “tratar todos os tipos de câncer”, milhares de ações judiciais foram apresentadas até a decisão do STF suspendendo sua distribuição. Apesar da ausência de estudos sobre o uso do medicamento em seres humanos, a presidente da República sancionou a lei sem vetos.
A AMB argumentou que a “pílula do câncer” não passou pelos testes clínicos em seres humanos, que, de acordo com a lei 6.360/76, são feitos em três fases antes da concessão de registro pela Anvisa. O ministro Marco Aurélio ressaltou que o registro ou cadastro mostra-se condição para o monitoramento, pela Agência fiscalizadora, da segurança, eficácia e qualidade terapêutica do produto. Ante a ausência do registro, segundo ele, a inadequação é presumida.
“No caso, a lei suprime, casuisticamente, a exigência do registro da fosfoetanolamina sintética como requisito para comercialização, evidenciando que o legislador deixou em segundo plano o dever constitucional de implementar políticas públicas voltadas à garantia da saúde da população. O fornecimento de medicamentos, embora essencial à concretização do Estado Social de Direito, não pode ser conduzido com o atropelo dos requisitos mínimos de segurança para o consumo da população, sob pena de esvaziar-se, por via transversa, o próprio conteúdo do direito fundamental à saúde.”
Divergência
O ministro Edson Fachin abriu a divergência. Lembrando que neste momento o Supremo julga apenas a medida cautelar no processo, ele entendeu que o Congresso pode autorizar a produção da substância.
“A Anvisa não detém competência privativa para autorizar a comercialização de toda e qualquer substância. Ocorre, no entanto, que a liberação da produção e comercialização de qualquer substância que afete a saúde humana deve mesmo ser acompanhada de medidas necessárias para garantir a proteção suficiente do direto à saúde.”
O ministro votou por conceder apenas parcialmente a liminar, para dar interpretação conforme a CF ao artigo 2º da lei, reconhecendo o uso da fosfoetanolamina à pacientes terminais. Seu entendimento foi seguido pelos ministros Rosa Weber, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.
Veja a íntegra do voto do relator.