A discriminação racial pode existir mesmo quando o agressor age em tom aparentemente “amigável” e não percebe que a sua atitude é ofensiva. O entendimento é da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-SC), que condenou uma empresa a indenizar um funcionário em R$ 10 mil pelo comportamento reiterado de seu supervisor e colegas, que insistiam em chamá-lo pelo apelido de “negão”.
O caso aconteceu no município de Balneário Camboriú, litoral norte do estado, envolvendo uma empresa do ramo de artigos esportivos. O autor, que manteve vínculo entre 2017 e 2024, relatou que o uso do apelido o incomodava, mas que ele evitava demonstrar descontentamento, temendo represálias no ambiente de trabalho.
Testemunhas confirmaram que, de toda a empresa, apenas o reclamante era chamado de “negão” e que o supervisor frequentemente usava o termo. Já a defesa negou que o uso do apelido tivesse conotação pejorativa ou discriminatória, alegando que era utilizado de forma “carinhosa” e que o trabalhador nunca havia formalizado reclamações sobre o tratamento recebido.
Em primeiro grau, a 1ª Vara do Trabalho de Balneário Camboriú negou o pedido do trabalhador por danos morais. A decisão considerou que o termo não configurava discriminação, pois não havia outros elementos pejorativos associados.
Racismo recreativo
Inconformado com o desfecho no primeiro grau, o autor recorreu ao TRT-SC, insistindo que as testemunhas ouvidas no processo confirmaram que o apelido atribuído lhe incomodava. O argumento foi acolhido pelo relator do processo na 1ª Turma, desembargador Roberto Luiz Guglielmetto, levando à reforma da decisão.
No acórdão, o magistrado mencionou o “racismo recreativo”, conceito que descreve práticas discriminatórias disfarçadas de humor ou brincadeira. Tais condutas, mesmo que proferidas em tom aparentemente amigável, são inadequadas, pois reforçam estereótipos e invadem o universo íntimo do interlocutor.
“A discriminação racial – independentemente da intenção de quem a pratica ou de sua consciência acerca da configuração da ação como discriminatória – fere direitos de personalidade e causa dano moral presumido”, afirmou Guglielmetto.
O relator ainda destacou que o fato de o trabalhador não ter registrado uma reclamação formal não implica que ele tenha aceitado o apelido. Segundo ele, nas relações de trabalho, a posição hierárquica inferior e o receio de perder o emprego limitam a possibilidade de o empregado expressar descontentamento, especialmente quando a ofensa é disfarçada de “brincadeira” e parte de um superior, como ocorreu no caso.
Com base nos elementos apresentados, a ré foi condenada a pagar ao trabalhador uma indenização de R$ 10 mil por danos morais.
O prazo para recorrer da decisão está em aberto.
Indenização mantida
Em caso envolvendo tema semelhante, de setembro deste ano, a 4ª Turma do TRT-SC confirmou a decisão do juiz Oscar Krost, da 1ª Vara do Trabalho de Rio do Sul, que determinou o pagamento de R$ 14 mil em danos morais a uma ex-funcionária de uma confecção. A condenação ocorreu após a sócia da empresa ter chamado a trabalhadora de “macaca”.
No acórdão, o relator do caso no segundo grau, desembargador Nivaldo Stankiewicz, destacou que “a lei máxima do país, ao assegurar o respeito na sociedade, traz em seu bojo princípios e regras que garantem a todos o máximo respeito, como o princípio da dignidade da pessoa humana e o tratamento igual sem que haja nenhum preconceito de qualquer ordem”.
Não cabe mais recurso da decisão.
Processos relacionados:
0000679-79.2024.5.12.0040
0000160-94.2024.5.12.0011