“Mesmo que voltasse hoje, eu não teria mais o meu país porque a Síria acabou. Meus amigos e familiares morreram ou, com sorte, estão espalhados pelo mundo”.
Com essa frase, Samir Al Jahmani, de 46 anos, refugiado sírio nos Estados Unidos, resume o que sente sobre seu país de origem, de onde saiu há cinco anos fugindo da guerra.
Ele recebeu a Agência Brasil no apartamento onde vive em Atlanta, desde agosto do ano passado, com quatro dos cinco filhos e a esposa Monawer Al Jahmani, de 42 anos.
O refugiado sírio Samir Al Jahmani, ao lado do filho Mayas. A família vive nos Estados Unidos desde o ano passado.
O choro vem fácil quando ele se lembra da terra natal e da guerra no país. Em 2011, Al Jahmani deixou Daraã – cidade no Sul da Síria onde se iniciou o levante dos rebeldes no pré-guerra e quando começaram os protestos e a repressão.
“Todas as noites, quando coloco a minha cabeça no travesseiro para dormir, eu choro. Sinto falta de tudo na Síria, mas eu choro também porque minha Síria foi destruída”, diz.
Na casa da família Al Jahmani, tradições são mantidas. Ninguém usa sapatos dentro de casa e todos professam o islamismo como religião. Samir prepara um café sírio. “Este café vem direto da Síria, é o nosso arabic”, conta. E diz que, se um visitante recusa um café na Síria, comete uma indelicadeza imperdoável. “É uma grande falta de educação.”
A reportagem da Agência Brasil foi ao apartamento da família acompanhada de uma assistente da Lutheran Service, uma das entidades credenciadas pelo governo federal na Georgia para acompanhar os refugiados, e uma tradutora. A esposa de Samir estava trabalhando, mas os filhos Mayas, de 14 anos, e o caçula, Aws, de 5 anos, estavam em casa.
Trajetória
Os Al Jahmani deixaram Daraã no Sul da Síria em 2011. No mesmo ano começaram os confrontos entre os rebeldes e o regime de Bashar Al Assad. A cidade fica bem próxima da fronteira com a Jordânia. Por isso, a família decidiu atravessá-la. “Pensamos que ia ser apenas por alguns meses”, lembra o patriarca.
A família foi uma das primeiras a se deslocar para a Jordânia. A fronteira fica a menos de 12 quilômetros de Daraã.
“Eu e minha esposa decidimos ir porque nossa casa era no terceiro andar e ficávamos muito vulneráveis ao fogo cruzado. À noite, havia muitos ataques e bombas atingindo as redondezas. Pensamos nos nossos filhos, o mais novo, recém-nascido, e deixamos nossa casa.”
O plano de passar uns meses foi se estendendo, assim como o conflito no país de origem. Da Jordânia, eles viam o caos no território sírio e a número de pessoas que tentavam deixar o país.
Depois de dois anos em território jordaniano, o casal decidiu tentar a vida nos Estados Unidos na condição de refugiados e se inscreveu no serviço de imigração. No ano passado, recebeu autorização para se mudar com quatro dos cinco filhos.
O filho mais velho Maysann, de 22 anos, ainda está na Jordânia e não recebeu autorização, embora o processo de tramitação do visto já tenha sido iniciado.
Na Síria, Al Jahmani tinha uma loja de conserto de bicicletas e motos. Nos Estados Unidos, tem autorização de trabalho, assim como os demais integrantes da família. Os filhos mais novos, de 14 e 5 anos, apenas estudam.
Al Jahmani não encontra dificuldades para conviver com os norte-americanos. “Pelo menos aqui, onde vivemos, todos são muito acolhedores e nos tratam bem.”
Em geral, as famílias de refugiados vivem em locais onde há outros refugiados e em comunidades que são mais abertas. Al Jahmani mora em um conjunto de apartamentos em que também estão outros refugiados e vários estrangeiros.
O filho Maysan diz que foi bem recebido na escola. Já está aprendendo inglês e tem amigos africanos, latinos e norte-americanos.
Mudanças internas
Al Jahmani preocupa-se com os rumores de que o presidente Donald Trump possa mudar as regras para refugiados que já vivem nos Estados Unidos. “Eu entendo que ele está fazendo isso para proteger o país da maneira que acredita, mas tenho medo de que isso possa nos afetar aqui dentro.”
Neste momento, a assistente da missão luterana que acompanha a visita, Megan Keaveney, intervém e diz que, ainda que o governo tivesse a intenção de mudar regras para quem já vive nos Estados Unidos, isso seria inconstitucional e facilmente derrubado judicialmente. “Trata-se de um direito já adquirido, de uma decisão legal tomada anteriormente.”
Os Estados Unidos têm uma cota anual para entrada de refugiados, definida pela Casa Branca. Para este ano, o então presidente Barack Obama havia autorizado a entrada de 110 mil refugiados para o período orçamentário que termina em setembro.
A estimativa é que, com Donald Trump, este número caia para mais da metade, algo em torno de 50 mil refugiados.
Megan acredita que, embora o programa esteja sendo revisto e Trump tenha suspendido a entrada de viajantes de países muçulmanos temporariamente, a Presidência deve manter o programa, ainda que na cota inferior.
Cerca de 3 milhões de refugiados foram recebidos pelos Estados Unidos desde que o Congresso aprovou a Lei dos Refugiados, de 1980. A lei forneceu as diretrizes para o programa federal de refugiados e o padrão para seleção e admissão.
Em 2001, após os ataques terroristas do 11 de Setembro, o governo suspendeu a entrada de refugiados durante três meses, do mesmo modo que Trump propôs no veto extremo – decisão suspensa judicialmente.
O processo de admissão leva de 18 a 24 meses. A maioria dos refugiados que chegou em 2016 era do Congo, da Síria, do Iraque e da Somália. Nem sempre a número autorizado pelo governo federal coincide com o número de refugiados recebida. No ano fiscal de 2016, foram 39 mil refugiados, 46% deles muçulmanos.
Leandra Felipe/Correspondente da Agência Brasil