Mais de cem advogados publicaram, em diversos jornais do país, na sexta-feira (15), uma carta aberta em que criticam a Operação Lava Jato. O grupo inicia o documento dizendo que a operação ocupa um lugar de destaque na história do país “no plano do desrespeito a direitos e garantias fundamentais dos acusados”.
“Nunca houve um caso penal em que as violações às regras mínimas para um justo processo estejam ocorrendo em relação a um número tão grande de réus e de forma tão sistemática, afirmam. E citam desrespeito a questões como a presunção de inocência, alegam que há um desvirtuamento do uso da prisão provisória e vazamento seletivo de documentos e informações.
“O menoscabo à presunção de inocência, ao direito de defesa, à garantia da imparcialidade da jurisdição e ao princípio do juiz natural, o desvirtuamento do uso da prisão provisória, o vazamento seletivo de documentos e informações sigilosas, a sonegação de documentos às defesas dos acusados, a execração pública dos réus e a violação às prerrogativas da advocacia, dentre outros graves vícios, estão se consolidando como marca da Lava Jato, com consequências nefastas para o presente e o futuro da justiça criminal brasileira”, diz o texto.
Na carta, os advogados alegam que nos últimos tempos o que se tem visto é uma espécie de “inquisição” em que já se sabe, antes mesmo antes de começarem os processos, qual será o seu resultado e que as etapas dos processo apenas cumprem formalidades.
O grupo alega que a prisão provisória vem sendo usada para forçar a celebração de delações premiadas e critica, sem citar nomes, a parcialidade na condução de processos. “É inconcebível que os processos sejam conduzidos por magistrado que atuam com parcialidade, comportando-se de maneira mais acusadora do que a própria acusação. Não há processo justo quando o juiz da causa já externa seu convencimento acerca da culpabilidade dos réus em decretos de prisão expedidos antes ainda do início das ações penais.”
O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, é um dos assinantes da carta. Em entrevista à Agência Brasil, ele disse que o objetivo é gerar uma reflexão, e que vários advogados vêm demonstrando preocupação com a situação. “Então, resolvemos agora colocar isso de público, mais para chamar atenção, para fazer uma reflexão com os demais advogados, com o poder judiciário, mas com as pessoas, com o cidadão”, disse.
O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo Costa, disse que vê a manifestação dos advogados como uma forma de pressão. “Nós percebemos que é uma forma de exercer alguma pressão no poder judiciário contra aqueles que estão atuando nesse processo. Entendemos que esta carta reflete muito mais o interesse pessoal dessas pessoas que estão envolvidas no processo e dos advogados que estão defendendo estas pessoas do que exatamente o interesse público”, disse. Para ele, as alegações sobre desrespeito a garantias dos réus, regras do processo e parcialidade dos magistrados, tentam desqualificar as investigações.
“É uma forma de levantar uma questão para desqualificar as investigações. Acho que eles tiraram de lado a necessidade de provar a inocência dos clientes deles e passam para desqualificar as investigações, para tirar a idoneidade das investigações e das instituições que atuam nessa investigação” disse Costa.
Em nota, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) disse que “a Operação Lava Jato coroa um lento e gradual processo de amadurecimento das instituições republicanas brasileiras, que não se colocam em posição subalterna em relação aos interesses econômicos”. A nota diz ainda que o trabalho da Justiça Federal é “imparcial e exemplar” e que não é dado “tratamento privilegiado a réus que dispõem dos recursos necessários para contratar os advogados mais renomados do país”, diz o texto.
A Ajufe ressalta também que a operação não “corre frouxa, isolada, inalcançável pelos mecanismos de controle do Poder Judiciário. Além de respaldada pelo juízo federal de 1º grau, a operação tem tido a grande maioria de seus procedimentos mantidos pelo Tribunal Regional Federal da 4ª região (TRF4), pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF)”.
A nota da Ajufe destaca alguns dos pontos abordados pelo grupo de advogados. Quanto ao fato dos alegarem desrespeito a direito de réus, a associação diz que, caso isso ocorra, nada impede que o advogado “postule a devida correção no âmbito da Justiça”. Quanto ao processo, a nota diz que caso hajam provas de que existam vícios ou equívocos “o natural é apresentá-las ao Tribunal, para que se mude o curso do caso”.
A nota diz ainda que a “magistratura federal brasileira está unida e reconhece a independência judicial como princípio máximo do Estado Democrático de Direito. Assim, reconhece também a relevância de todas as decisões de todos os magistrados que trabalharam nesses processos” diz o texto que cita os magistrados envolvidos no processo em diferentes instâncias.
Investigações criteriosas e robustas
A Associação Nacional dos Procuradores da República também criticou a carta dos advogados. Em nota, a entidade diz que as investigações feitas pelos procuradores e por policiais federais “estão sendo criteriosas e culminam em provas robustas”.
O texto fala também das delações premiadas. “As colaborações livres e responsavelmente oferecidas por pessoas envolvidas com as organizações criminosas geram um incremento na certeza e na revelação da verdade, imprescindíveis em julgamentos isentos. Na grande maioria das vezes, as colaborações premiadas ocorrem com os réus já soltos, sendo este um instrumento legal utilizado legitimamente pela defesa que também atende aos critérios da busca da verdade real no processo penal.”
Para a associação, a operação atende “aos anseios de uma sociedade cansada de presenciar uma cultura da impunidade no que diz respeito à corrupção e às organizações criminosas” e que “quando o direito penal amplia sua clientela e alcança pessoas antes tidas como inatingíveis, é esperado que se dirijam críticas ao sistema de Justiça”.
A associação diz que o trabalho desenvolvido pelo Ministério Público Federal “resultou em decisões de prisões, bloqueios de bens e devoluções de dinheiro aos cofres públicos, mantidas da primeira à última instância judicial, da Justiça Federal ao Supremo Tribunal Federal, em julgamentos técnicos, impessoais e transparentes, garantidos a ampla defesa e o devido processo legal”.
Para os procuradores, a existência de um pequeno número de decisões contrárias à investigação em t5ribunais reflete a correção dos procedimentos e das decisões, bem como a robustez das provas, ao contrário do que querem fazer crer os advogados.
Os pontos abordados na carta, segundo os procuradores, “demonstram insatisfações dos advogados, já são objeto de ações e recursos em trâmite no Poder Judiciário e vem sendo rechaçadas em repetidos julgamentos, afastando qualquer alegação de supressão de direitos aos investigados”.
A nota diz ainda que tanto o MPF quanto a PF e os membros do judiciário, que conduzem o caso, são norteados “pela observância das normas legais, pelo mais elevado nível técnico, bem como pela irrestrita independência funcional no cumprimento de sua missão constitucional”.
O texto diz que não existe qualquer evidência de que o MPF “esteja vazando informações indevidas, porque esta prática não é adotada por Procuradores da República”.
Agência Brasil