Folha de S. Paulo – Era uma vez um governo que teria dois superministros, Paulo Guedes (Economia) e Sergio Moro (Justiça). Entraram por uma porta, saíram por outra.
São príncipes transformados em plebeus da Esplanada dos Ministérios pelo caldeirão da política de Jair Bolsonaro, que tem intestinos envenenados, filé de serpente, pelo de morcego, língua de cão e múmias de feiticeiras, como o cozido das bruxas de Macbeth, mas não tem coalizão parlamentar. Fim.
Os superministros foram rebaixados porque o quase governo do Congresso independente poda suas capas heroicas. Porque Bolsonaro não tem um programa que respalde na prática os projetos de Guedes e Moro. Porque o presidente implicou com Moro, que não incorporou o bolsonarismo “raiz”, como no caso menor do decreto faroeste.
Pior, o ministro da Justiça se tornou suspeito de querer a cadeira presidencial em 2022, assunto cada vez mais frequente de Bolsonaro, diz seu entorno.
Moro se torna um retrato na parede, mofado pela umidade da República de Curitiba, um troféu inerte do bolsonarismo.
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Até agora incapaz de articulação social e com os estados, não tem assim como inventar um plano funcional e politicamente aceitável de segurança pública.
Qual será o projeto de Moro? Bater ponto até ser promovido ao STF pelo mérito de engolir sapos e de sobreviver a suspeitas da VazaJato?
Guedes pode ainda fazer um grande ministério, segundo a medida dos objetivos do programa liberal, mas não pela régua das ambições de sua estratégia grandiosa de refundação do país. Vide o sururu recente que causou na reforma da Previdência.
Rodrigo Maia, presidente da Câmara, ofereceu ao ministro da Economia a aliança recusada de modo desatinado por Bolsonaro. Guedes balançou o coreto porque a Câmara deve dar cabo da proposta de capitalização, um pilar do seu plano de reconstrução nacional em termos liberais, com desmanche da lei trabalhista e a criação de um novo padrão de poupança.
O ministro ainda pode conseguir uma expressiva reforma da Previdência, mas parece achar pouco. Portanto, criou uma crise grátis, como dizia no final da semana qualquer liderança política, do PT ao DEM.
Guedes não vai refundar a economia, se por mais não fosse porque Bolsonaro não sabe nem quer saber do que se trata. Mas há mais: revoluções dependem de sangue ou ditaduras, para dizer a coisa de modo dramático, mas em última instância adequado.
O ministro pode fazer história, como tanto deseja, caso consiga relançar algum crescimento com peso maior da iniciativa privada. Para tanto, poderia contribuir para a reviravolta da regulação obtusa, errada e caquética que emperra o investimento privado em infraestrutura e novos negócios em geral.
Tende a dar certo, embora não tenha o apelo dramático, na verdade cafona, de enormidades ideológicas como o “conflito da social-democracia com a grande sociedade aberta” e essas conversas que pareciam novas em 1969.
Se o plano de reformas regulatórias e o planejamento de concessões não saírem neste ano, haverá obras apenas em 2021. Cadê? Um plano respeitável de reforma tributária tramita no Congresso, por iniciativa parlamentar. Os economistas de Bolsonaro vão ajudar ou vão querer reinventar a roda? Cadê a política comercial, que leva muito tempo para implementar?
É tarde. O Brasil está em crise faz seis anos, e o governo só tem mais três pela frente (os seis meses finais são de eleição).
*Vinicius Torres Freire é jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).