Marcos Bruno – Hora de Santa Catarina
Com a chegada da Semana Santa, a farra do boi se intensifica em Santa Catarina. Em 2015, por exemplo, foram 23 ocorrências somando janeiro e fevereiro. Já em março daquele ano, a PM somou 102 casos. Neste mês de março, já são 33 ocorrências, 13 só no último final de semana. Em todo ano, até agora, ocorreram 56 farras em Santa Catarina, uma delas com morte em Bombinhas. Foram contabilizados dois feridos, sendo um deles policial militar, e quatro bois recolhidos. No entanto, nenhum farrista foi detido — ano passado foram seis.
A prática é proibida no Brasil desde 1998. Só que conforme a Polícia Militar, além de maus-tratos, outros crimes estão relacionados, como o contra o patrimônio, consumo e tráfico de drogas e inclusive compra de votos durante a farra. A cidade que concentra mais casos no estado é Governador Celso Ramos, na Grande Florianópolis.
Neste final de semana, houve uma farra interrompida pela Polícia Militar no bairro Areias de Baixo, que reuniu centenas de pessoas. Moradores disseram à Hora que a PM acertou balas de borracha no animal. Já a polícia garante que os tiros foram deflagrados para cima, e que o boi não ficou ferido.
A prática divide opiniões na cidade. O empresário Pedro Augusto, 29 anos, defende a criação de regras para a farra. Ele diz que soltar o boi na rua não é mais possível.
— Eu sou a favor de criarem normas, como botar o boi no mangueirão, trocar de animal. Hoje temos o rodeio, que também tem maus-tratos, o boi fica enclausurado, amarram os testículos dele, e não é proibido. Pelo contrário, é um espetáculo — compara.
— Não se vai conseguir mudar a tradição de uma hora para outra, leva uma geração. Meus pais praticavam, e eu cresci nesse meio — lembra.
“Os novos não se interessam mais”
A praia da Armação é um local onde tradicionalmente os bois eram soltos. Mas conforme moradores ouvidos pela reportagem, a tradição está morrendo. Os irmãos pescadores João e Luís Abelardo Fagundes contam que, nos últimos quatro anos, a farra diminuiu drasticamente.
— Antigamente, nessa época, ia ter farra todo o dia. Mas agora acabou. Quem gostava de brincar está ficando velho e os novos já não tem mais interesse — analisa Luís, enquanto desenrola a rede.
— Outra questão é o preço. Hoje um boi custa R$ 5 mil. Fica difícil arrecadar todo esse dinheiro — explica João.”
Em Florianópolis, a prática também é comum. A autônoma Nilda Oliveira, 49 anos, conta que no natal passado, enquanto estava fora, cerca de 40 homens entraram no sítio dela em Ratones, e o boi perseguido acabou caindo na piscina.
— Também estragaram a cerca, o campo de futebol. Meu prejuízo foi de mais R$ 2 mil — lembra.
Nilda diz que ligou para o 190 mais de seis vezes, e nenhum PM foi até a casa dela.
“Dois PMs não conseguem conter a multidão”
A repressão ao crime é algo complicado. Conforme o sargento Maury Junior, comandante da PM de Governador Celso Ramos, quando moradores ligam para o 190, já é tarde. Os agentes vão ao local e não encontram mais o boi. Ele diz que falta logística para combater o crime.
— Este ano houve dois casos na cidade em que a PM chegou e conseguiu proteger o animal. Mas eram só dois policiais em uma viatura para conter um boi e a multidão, sendo muitos embriagados. E nos dois casos, o bicho acabou fugindo — lamenta.
O sargento explica que o policiamento está bem mais forte, e hoje as farras não acontecem mais em áreas públicas, mas apenas em terrenos particulares.
Não há investigação
Na Polícia Civil da cidade não há inquéritos. A explicação é que, como é um crime de baixo potencial ofensivo, a Polícia Militar faz o termo circunstanciado e não chega à Civil. Mesma situação foi encontrada no Ministério Público. Segundo o promotor Marco Antônio Schütz de Medeiros, da comarca de Biguaçu, que é responsável por Governador Celso Ramos, nada que chega é “investigável”.
— A punição é insignificante. Nada acaba judicializado. A gente sabe que tem farra do boi, mas só depois que ela acontece — explica.
Um trabalho que pretende conscientizar a geração que chega é desenvolvido pela Polícia Militar Ambiental. Neste ano, foram feitas palestras em mais de 20 escolas catarinenses para alunos do 6º ano. O soldado Leandro Specht, que está à frente do projeto, explica que o objetivo é sensibilizar as crianças sobre a prática.
— E a ideia é que eles levem essas informações para casa, para os pais. Que eles se tornarem multiplicadores dessa consciência — deseja.